Durante um destes fins-de-semana fizemos um exercício interessante: ver
Valmont e
Ligações Perigosas, as duas adaptações (recentes) mais famosas da obra literária de Choderlos de Laclos ao cinema (e sim, confessamos, nunca tínhamos visto ambos filmes, tal como nunca dissemos que éramos o "cinéfilo perfeito"). Pareceu-nos muito evidente que o filme de Milos Forman (
Valmont) é muito superior ao de Stephen Frears (
Ligações Perigosas); uma constatação que não pareceu tão óbvia à crítica na altura. Ambos os filmes estrearam muito perto um do outro, julgo que primeiro
Ligações Perigosas e só depois
Valmont, o que não ajudou no segundo caso -
Valmont é normalmente esquecido pela memória do grande público que acabou ao longo do tempo por o colocar numa posição abaixo do seu predecessor (talvez pelo elenco cheio de estrelas da altura, tais como John Malkovich, Glenn Close ou Michelle Pfeiffer, que detinha claramente um maior estatuto em comparação a Colin Firth, Annette Benning ou Meg Tilly - hoje talvez fosse diferente - a par ainda de toda a publicidade que obteve graças à cerimónia de Óscares onde foi nomeado para 7 estatuetas, das quais conquistaria 3).
Mas
Valmont é melhor em tudo a
Ligações Perigosas; as personagens mais credíveis e convincentes, um argumento mais coerente e equilibrado, uma narrativa mais estruturada, tensa e atraente.
Valmont tem mais nervo e ao mesmo tempo maior subtileza na abordagem ao clássico texto literário de Laclos (o que lhe dá uma graça e uma leveza digna da superficialidade da época), cria mais contexto (com mais e melhor informação no desenvolvimento da acção), o que nos ajuda a compreender melhor a complexidade social e psicológica daquelas personagens e a densidade de toda a trama - intrincadíssima de jogos de sedução e artimanhas sexuais, insuflada pelas estratégias de conveniência e pela hipocrisia dos tempos, retrato agudo de uma sociedade corrompida até ao tutano pela vaidade pessoal, pela manutenção da classe social, pelo puro materialismo.
Já
Ligações Perigosas tem bonecos vazios de humanidade (e actores demasiado conscientes do seu desempenho: o que torna o filme uma passerelle do "cast do momento" - acima de tudo é um filme vítima do seu casting, e aí compreende-se o seu sucesso junto da Academia de Hollywood), um guião que por vezes não parece encaixar e insiste em deixar imensas pontas soltas, além de perosnagens negligenciadas como é o exemplo de Cecília de Volanges (Uma Thurman) e do Cavaleiro de Dancenny (Keanu Reevers), figuras a quem são dadas um maior protagonismo e interferência em
Valmont (ali interpretadas por Fairuza Balk e um surpreendente Henry Thomas, o menino de E.T. - O Extraterrestre); afinal de contas são eles os principais instrumentos das secretas perversidades do Conde de Valmont (Colin Firth) e Madame de Merteuil (Annette Benning). Onde há carne e alma em
Valmont (apesar de tudo aquelas personagens movem-se por uma necessidade imperiosa de amor), há artificialismo e tiques de
poseur em
Ligações Perigosas.
Em sites como o
allmovie.com,
Valmont recebe 2 estrelas (em cinco possíveis), enquanto
Ligações Perigosas leva 4,5 (o que é uma verdadeira injustiça, parece-nos que deveria ser ao contrário). Depois, dentro dos critérios válidos a que nos permitimos na apreciação de uma obra de cinema,
Valmont teve pelo menos esta qualidade: manter-nos despertos até ao fim e bem depois da meia-noite presos ao destino das suas personagens (confessamos outra vez que nunca tínhamos lido o livro, o que já não é o caso hoje, pela razão simples que também nunca dissemos que éramos o "leitor perfeito", apesar de tudo fazermos por isso), facto inverso a
Ligações Perigosas que nem uma tardinha ricamente preenchida de sol nos impediu de baixar a pálpebra de tédio e aborrecimento - pois se todos os outros argumentos não ajudarem a explicar porque se ama mais um filme do que outro, pelo menos cremos que estes servirão.
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