Eu tomava o café da manhã e lia o jornal. Na mesa ao ao lado, sentou-se um casal jovem com uma filha de seis ou sete anos. Mais tarde percebi que se chamava Mariana. Foi quando chorava e escondia a expressão atrás da cadeira, timidamente, entre a montra da loja de telemóveis e o olhar conformado e impotente do pai (gorro bem enfiado na cabeça, rosto esquelético, luvas pretas nas mãos). Não percebi o que lhe disse, talvez um "o que se passa, filha?" Sem gesto, sem expressão, voz desistente. A mãe (de gorro também, olhos azuis e pele muito branca) já antes disso soltara uma daquelas lágrimas instantâneas e límpidas que caem de uma vez só ao longo do rosto e aos primeiros sons do "Imagine" de Lennon (vindo de algum canto distante do centro comercial e a abrir caminho por entre o ruído das pessoas que caminhavam através do corredor). Uma lágrima daquelas que só se vê no cinema, perfeita, sibilina, brilhante, a sulcar apesar de tudo uma cara bonita. Nada a ver com as lágrimas da Mariana: vermelhas, envergonhadas, furiosamente mudas e discretas, ainda mais acomodadas naquela mesa de café do que eu no meu silêncio atento. Perguntei-me: é possível um Natal feliz depois de uma criança a chorar? Sai de lá convencido que não.
(na imagem uma foto de Diane Arbus de 1963 e intitulada "A Child Crying")
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