Este pequeno
artigo da Lusa publicado pelo semanário
Sol é mais um sintoma do crescente abandono a que a sala de cinema foi vetada - e aqui não entra naturalmente a lógica de consumo das grandes salas dos centros comerciais onde, infelizmente, os filmes se confundem com um pacote de pipocas. Falamos da sala de cinema não apenas como um lugar de experiência eminentemente social e comunitária, mas acima de tudo espiritual. Parece estranho usarmos o termo "espiritual" e contudo é disso mesmo que se trata: porque nunca vimos a sala de cinema de outra maneira. Este é um lugar que sempre foi de reflexão interior, um espaço ainda de "consciência" do mundo e da condição humana, de busca de sentidos, de oração (sim, oração, levamos isto às últimas consequências) e transcendência. Um universo de refundação de valores através da narrativa e dos grandes mitos; e a partir dos heróis e heroínas que nunca deixaram de funcionar para nós como "avatares", para usar uma expressão agora em voga, das nossas próprias inquietações e desejos, sonhos e dilemas. Um mundo hoje, também em Lisboa, em ruínas, ao abandono, esquecido, sem vida; que não é muito diferente do que grassa por esse país fora e no resto do mundo. Ou porque já não conseguimos olhar para a sala de cinema como uma porta para a relação com o "outro". Essencialmente devido a um modo de vida que não admite mais mundo para além do nosso umbigo nem procura resolver o imenso mistério da vida que nos envolve. Sem nostalgia, sem rancor nem raiva, ou sequer melancolia, apetece somente perguntar isto: se não sabemos como partilhar a sala de cinema o que saberemos alguma vez partilhar?
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