quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Cultura: Negócio da China


Cultura: Negócio da China

Não é novidade para ninguém falar-se em Alcobaça como uma cidade de cultura (e muito menos para os habitantes locais). Mais do que o turismo, mais do que o artesanato, mais do que a agricultura, mais do que a cristalaria, mais do que a cerâmica ou qualquer outro tipo de indústria local, a grande vocação da cidade sempre se prendeu com a cultura. E dizemos isto porque sabemos bem no nosso íntimo que todas estas actividades, fundamentais para a economia local, para a sua afirmação na região, marcas de prestígio ao nível nacional e internacional, indutoras de emprego e dinamismo económico, foram naturalmente uma consequência directa dessa lei básica: a tradição cultural.

Mas como?, perguntarão os mais incrédulos. Porque os produtos ou serviços sempre nasceram das ideias. E as ideias que nascem da criatividade foram sempre buscar a sua capacidade de fantasiar ao conhecimento, à memória, a tudo o que se leu ou ouviu, ao passado (um passado que no caso de Alcobaça recua à própria fundação do país), a essa soma de elementos que, hélas, origina a cultura (não é a cultura aquilo que se faz com o a memória e o conhecimento?). Claro que há aspectos que remontam à própria génese histórica de Alcobaça, nomeadamente através da fundação do Mosteiro de Santa Maria há mais de 8 séculos (e isto quer queiramos quer não, tem peso, mesmo para o alcobacense que nunca tenha posto um pé lá dentro), talvez a primeira grande sede de conhecimento e cultura no pais: uma espécie de choque tecnológico" da época e que muitos (garantimos que esta teoria não só não é nossa tal como não é original) admitem ter levado o país à glória dos Descobrimentos.

Mas se Alcobaça tem artistas, criativos, iniciativas ou instituições como poucos concelhos da sua dimensão (ou maiores até), por outro lado continua a existir nela ainda pouca consciência do valor dessa tradição (um problema que não é só local, mas nacional, diríamos) e da potencialidade económica e financeira que pode gerar. O cliché vetusto que diz que a cultura apenas representa custos e prejuízos é uma das maiores falácias dos dias de hoje (além de um sinal de demência, arriscamos) e bastaria mencionar a ascensão e os estudos sobre as indústrias criativas e as cidades culturais para provar que a cultura pode ser, e em muitos países da Europa já o é, uma solução para a crise e para desenvolvimento (logo para o desemprego, logo para a depressão económica).

Uma solução que sobretudo tem a vantagem de coadunar-se com as mais diversas áreas e actividades (já o dissemos: uma boa ideia é uma boa ideia, seja aqui ou na Conchichina), através de vertentes tão flexíveis como o marketing, o design, a tecnologia ou o puro entretenimento. Agora, não vamos dizer que não nos assusta vivermos num concelho onde o poder local (apesar de grandes apostas e uma notória evolução) não ter sido ainda capaz de o afirmar como uma prioridade clara aos seus desígnios políticos - de o "institucionalizar", verdade seja dita.

E contudo, é a cultura a única que consegue encher a grande praça do Rossio (30 mil pessoas: aconteceu com Amália Hoje, projecto que inclui dois artistas locais, vai voltar a acontecer com a mostra Rabiscuits que povoa o mesmo espaço de obras de arte experimental, acontece todos os anos com Festival Cistermúsica, sem esquecer a contribuição de todos os outros: músicos, escultores, fotógrafos, bailarinos, escritores, historiadores, designers, etc., ao longo do ano). Não estamos a inventar a pólvora, mas este - a "cultura" - pode ser o negócio da China de que todos andam insistentemente à procura fora das fronteiras do concelho: e que afinal está mesmo ali ao virar da esquina, em qualquer um dos artistas e criativos que circulam por Alcobaça - e asseguramos: a quem não faltam ideias para virar o mundo do avesso (coisa que como todos nós bem sabemos o mundo anda precisado como de pão para a boca).

No ponto

A mostra de arte experimental Rabiscuits que durante o próximo fim-de-semana vai tirar Alcobaça do tédio e da obscuridade em que muitas vezes se compraz começou de mansinho e timidamente há 4 anos: hoje é uma amostra viva e clara do que os artistas são capazes de fazer e de como a união das suas expressões e criações podem elevar a moral de uma cidade. E ainda de como cada um de nós pode ser um artista (coisa que não deixa de ter o seu valor terapêutico).

Em banho maria

Tem-se discutido muito sobre o destino dos espaços devolutos do Mosteiro de Alcobaça e qual a melhor solução para restaurar e preservar tão “digno” património. Hotel de charme, Pólo Universitário, Centro de Congressos, Museu, Fundação, tudo muito bem. Já a transferência dos Serviços da Câmara, parece-nos abusivo. Ora, se temos a boa experiência que resultou da CeDeCe, porque não pensar o monumento também como um espaço para residências artísticas? Mais do que dignidade, o Mosteiro precisa de gente viva e irrequieta.

Requentado

A relação dos políticos com a cultura é um pouco como a do “emplastro do FCP” com a televisão. Quando as objectivas estão lá, fazem tudo para entrar no plano, quando não estão, nunca se sabe muito bem onde é que param. Não basta uma frase ou duas nos programas de campanha a enaltecer a importância da cultura e dos artistas. Diga-se o que quer, para onde se quer ir e o que pretendem fazer por isso.

David Mariano (publicado no Jornal de Leiria no passado dia 17 de Setembro na rubrica Advogado do Diabo)

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