sábado, 27 de junho de 2009

Lanterna mágica


"Filme como sonho, filme como música. Nenhuma outra forma de expressão artística é capaz de, como o cinema, vir ao encontro dos nossos sentimentos, penetrar nos recantos mais obscuros da nossa alma. E tudo graças a um efeito de choque no nosso nervo óptico: vinte e quatro quadradinhos por segundo, iluminados, separados pelo escuro que o nosso nervo não regista. Quando me sento à mesa de montagem e passo a fita, imagem após imagem, ainda sinto a sensação arrepiante, de magia, dos meus tempos de criança: lá dentro do escuro do guarda-fato dava à manivela devagar e via passar as imagens, umas atrás das outras, reparava nas quase imperceptíveis modificações, depois dava à manivela depressa e pronto, elas moviam-se!

Esta sombras, mudas ou sonoras, voltam-se abertamente para os recantos mais secretos que existem em mim. O cheiro a metal aquecido, a imagem vacilante, o barulho do mecanismo, a sensação de segurar a manivela..."

Ingmar Bergman in Lanterna Mágica (1987)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Michael Jackson (a eterna criança)



Todos nós tivemos de uma forma ou de outra uma relação com a figura, a imagem e a música de Michael Jackson; e eu pertenço inevitavelmente àquela geração que cresceu sob a sua influência durante os anos 1980, não só graças ao peso crescente da MTV nessa época (embora esta só tenha chegado ao nosso país mais tarde nos anos 1990 a verdade é que os ecos do canal faziam sentir-se na nossa televisão pública e imprensa), mas também pelo facto de os seus temas serem irresistivelmente cativantes para quem, como eu, vivia o período da infância. Michael Jackson era nesse tempo uma personagem fascinante para qualquer miúdo: o mundo de fantasia, pleno de expressividade, cor e movimento, ambientado por temas que por muito tempo perdurarão como objectos fundamentais na construção da história pop eram tão evidentes e intransponíveis como uma lua cheia numa noite limpa de nuvens.

Lembro-me, por exemplo, dos lançamentos dos seus videoclips mais famosos com honras de verdadeiro acontecimento televisivo: Thriller (feito por John Landis, o realizador de Um Lobisomem Americano em Londres, que me causou um profundo terror: durante dias não esqueci a imagem de Michael Jackson a metamorfosear-se), Bad (concretizado por Martin Scorsese no "subway" nova-iorquino e que ilustrava um tema caro ao cineasta italo-americano: a luta entre gangues no clima pós-Reagan) ou Black or White (que vinha assinalado pelo uso inovador de efeitos especiais na famosa sequência da sobreposição de caras: além da mensagem multi-étnica e multi-cultural podíamos ler ali ainda o apelo universal da sua música). Recordo-me igualmente de ver no cinema Moonwalker, um musical pop elevado ao grande ecrã como um imenso videoclip MTV e que combinava exuberantes elementos populares da Sétima Arte (desde o filme noir na cena de Smooth Criminal à ficção científica mais spielberguiana) com a colagem de imagens de promoção ao álbum Bad (1987) - cheguei mesmo a paginar uma pequena revista sobre o filme, com histórias e fotografias que mais tarde fotocopiava para oferecer aos meus amigos.

No capítulo das músicas preferidas (porque todos nós temos uma), posso dizer que aquela que hoje mais me marca é Wanna Be Start'in Something, tema de abertura de Thriller (o disco mais vendido de sempre), mas poderia eleger afinidades com outras como I Want You Back (Jackson 5), Smooth Criminal, Human Nature ou Don't Stop Till You Get Enough (cada uma delas por diferentes razões e circunstâncias que têm a ver com as nossas próprias experiências pessoais e temporais). De Michael Jackson muito se tem falado a respeito da sua infância aprisionada, das suas excentricidades pessoais, dos seus escândalos mediáticos, mas há um facto que a todos parece indesmentível: o perfil de eterna criança que vivia dentro de si (e dentro de um corpo cuja degeneração suscitava todo o tipo de rumores e apreciações) confirmava a tragédia de alguém que se recusara a crescer. Para todos nós que guardam um pouco dessa criança e para todos aqueles que um dia reivindicaram, como ele, a sua parte da Terra do Nunca, a lua apagou-se.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Do Fundo do Coração: um belo e genial desastre


Também para Francis Ford Coppola (um dos maiores nomes da geração "movie brats" que no post abaixo citámos), nada foi como dantes, sobretudo depois desta obra: Do Fundo do Coração (1982), o objecto que começou e acabou com a "fábrica de sonhos" Zoetrope idealizada pelo cineasta americano e através da qual arriscou não só a sua independência artística e financeira, mas onde também procurou reavivar o velho sistema de estúdios norte-americano, fazendo uso de uma maior economia de recursos humanos, equipamentos e tecnologia - mas que teve precisamente o efeito contrário: de um budget inicial de 2 milhões de dólares o projecto disparou para uns insustentáveis 28 milhões -, isto num cenário que se pretendia adaptado à revolução electrónica que o próprio anunciava para o cinema.

Foi uma história de megalomania (só o genérico custou cerca de 4 milhões de dólares) e que levou Coppola à bancarrota; a partir desse desfecho tudo o que fez serviu apenas para saldar as dívidas acumuladas (Os Marginais, Cotton Club, O Padrinho III, Drácula de Bram Stoker e Jack contam-se entre essas tentativas). Nesta simples história de amor protagonizada por Frederic Forrest e Teri Garr nos subúrbios de uma Las Vegas simulada, tudo é de cartão e papel, plástico e néon: inteiramente rodado em estúdio (o mesmo de onde anteriormente a clássica Hollywood já tinha visto sair títulos como O Ladrão de Bagdad ou lendas como Howard Hughes haviam filmado) estamos perante uma verdadeira fantasia visual a que não se fica indiferente e que faz do grande ecrã um enorme e belo campo de expressividade povoado de cores e imagens surreais.

Incompreendido na sua época (tanto pela crítica como pelo público), Do Fundo do Coração não é a "desgraça" com que o pintaram e ao longo dos anos foi ganhando uma "patine" e um encanto que o tornam hoje num dos mais fundamentais objectos de culto da Sétima Arte; além de constituir uma obra essencial para a compreensão do talento e do percurso do realizador de Apocalypse Now. Talvez Coppola tenha cometido um pecado: pedir a Hollywood que tornasse a ser a Hollywood que ele próprio e os seus "compagnons de route" haviam destruído. Era pedir demais. Ou acima de tudo, foi tarde demais.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Jaws: foi há 34 anos


Comemoraram-se durante este último fim-de-semana os 34 anos de estreia de Tubarão (1975), o filme que revelou o nome de Steven Spielberg ao mundo (embora o seu talento já se tivesse prenunciado com filmes como The Sugarland Express) e que cunhou ainda o conceito de blockbuster (para todos os efeitos foi o princípio das grandes produções a pensar nas bilheteiras: o filme facturou então cerca de 100 milhões de dólares, conquistando as grandes audiências compostas por adolescentes).

Naquele Verão, a verdade foi só esta: ninguém mais conseguiu olhar para a praia e para o mar da mesma maneira (e mesmo hoje há quem se lembre da partitura musical de John Williams antes de pôr um dedinho na água). Mas foi sobretudo o início de uma nova era na Sétima Arte e na produção cinematográfica tal como a entendemos actualmente (e cuja tradição, para o bem e para o mal, hoje persiste: razão porque nesta altura do ano não há um grande estúdio que não tenha em cartaz um candidato a blockbuster, objectos dos quais se tornaram cada vez mais dependentes).

Com Tubarão, dá-se a machadada final na dimensão mais clássica de pensar o cinema em Hollywood (além de se inaugurar um novo e completo modelo de negócio) e entra definitivamente em cena uma nova geração de cineastas (os "movie brats") composta, além de Spielberg, por gente como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas, Brian De Palma, entre outros. Nada seria como dantes.

domingo, 21 de junho de 2009

Viva la Revolúcion?


São inúmeros os westerns produzidos por Hollywood que acabam por ter a Revolução Mexicana como pano de fundo (e assim, só de cabeça, lembrámo-nos imediatamente de Major Dundee ou A Quadrilha Selvagem, ambos do grande Peckinpah, mas também de Aguenta-te, Canalha! de Leone - provavelmente uma das visões mais desencantadas que conhecemos sobre o processo revolucionário mexicano -, entre outros), mas talvez em nenhum outro filme como Os Profissionais de Richard Brooks, e principalmente na sequência que citamos a seguir, se encontre melhor definição sobre aquilo que "sustenta" um ideal revolucionário (e por consequência, uma Revolução), algo que pode estar mais próximo (como se confirma pelas palavras da personagem interpretada por Jack Palance) de valores tão simples como o amor e a crença do que porventura por qualquer visionarismo moral ou político.

Pensamos que é isso o que melhor exprime este diálogo entre dois homens (Palance e Burt Lancaster) divididos por duas causas tão diferentes como o idealismo e o materialismo que os marcam nesta história: e neste ponto dizemo-vos apenas que o primeiro é um líder rebelde que procura recuperar a sua amada (e antigo amor de infância), uma bela mulher que fugiu de um casamento de conveniência com um velho milionário americano (aqui interpretada por Claudia Cardinale) e que é raptada por um grupo de "profissionais" constituídos por Lee Marvin, Burt Lancaster, Woody Strode, os quais a procuram devolver ao marido "descompensado" movidos pelo dinheiro da recompensa.


Jack Palance: Claro que sabes que um de nós tem de morrer.

Burt Lancaster: Talvez nós os dois.

JP: É uma tolice morrer por dinheiro.

BL: Morrer por uma mulher é ainda mais. Seja ela qual for, até ela.

JP: Quanto tempo esperas manter-nos aqui?

BL: Mais umas horas. Depois o que acontecer aqui não importa. Ela voltará a ser Mrs. Joe Grant.

JP: Mas isso não mudará nada. Ela é a minha mulher. Antes, agora e sempre.

BL: Nada é para sempre. a não ser a morte. Pergunta ao Fierro, pergunta ao Francisco. Pergunta aos que estão no cemitério dos Sem-Nome.

JP: Morreram por aquilo em que acreditavam.

BL: A Revolução? Quando os tiros pararem, os mortos forem enterrados e os políticos liderarem, vai tudo dar a uma só coisa: uma causa perdida.

JP: Para ti só vale a perfeição. És demasiado romântico, compadre. A Revolução é como um grande caso amoroso. No início, ela é uma deusa. Uma causa sagrada. Mas todos os casos amorosos têm um grande inimigo, o tempo. Vemo-la como ela é. A Revolução não é uma deusa, é uma pega. Nunca foi pura, nem santa, nem perfeita. Então fugimos, encontramos outra amante, outra causa. Casos rápidos e sórdidos. Luxúria sem amor. Paixão sem compaixão. Sem amor... Sem uma causa, não somos nada. Nós ficamos porque acreditamos. Acreditamos porque estamos desiludidos. Regressamos porque estamos perdidos. Morremos porque estamos empenhados.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

What about Bo?


E porque não juntar a esta curta lista (uma espécie de "movie's top 3 bikini", se é que lhe podemos chamar assim) a presença mais tardia (a imagem vem de 10 de Blake Edwards, filme de 1979), mas não menos escultural e sensual, de Bo Derek? Afinal de contas, estamos a falar de mulheres que nos levaram (e continuam a levar) ao cinema pela razão simples da sua beleza física; para a qual, e muito eficientemente, os seus bikinis tanto contribuíram...

And then, there's also... Ursula Andress


E depois (ou melhor: antes, já que esta aparição data de 1962), temos também Ursula Andress, qual Vénus, a surgir do mar como a deusa de Boticelli quando nasce da concha (ela que traz nessa cena primordial de Dr. No, o primeiro 007, um par de búzios na mão, no que nos poderia parecer uma natural referência ao mesmo quadro do artista italiano). Por falar em bikinis e já que estamos em tempo de Verão...

See Raquel Welch In Mankind's First Bikini!


Parece inacreditável ao fim de todos estes anos, mas foi mesmo assim que aconteceu: "Vejam Raquel Welch no primeiro bikini da Humanidade!" era o slogan utilizado para publicitar o filme de Don Chaffey Quando o Mundo Nasceu (título original: One Million Years B.C.) em 1966, data da sua estreia, naquele que se tornaria num dos grandes veículos de promoção de uma das mulheres mais sensuais que Hollywood já conheceu - e cuja imagem (acima reproduzida precisamente a partir de umas das suas sequências capitais) permaneceria viva na memória de muitos (lembram-se dela ainda na cela do evadido Tim Robbins em Os Condenados de Shawshank?).

Olhando hoje para esta produção que viajava até à pré-história para retratar o modo de vida humano na época, não deixa de ser risível como o filme violava praticamente todas as regras básicas de rigor histórico e científico ao introduzir na sua história factos e elementos que na actualidade - e os quais de uma forma de outra todos nós contestaríamos - sabemos serem impossíveis à data. A começar pelo presença dos dinossauros no mesmo período de vida que o Homem, mas acima de tudo pela tentativa (um pouco ridícula e desarmante nos dias em que vivemos, é certo, embora também seja isso a construir boa parte do encanto deste "épico" kitsch) de transformar animais tão inofensivos como uma tartaruga ou uma iguana em monstros terríveis e mortíferos (exuberantemente ampliados e que aqui emitem sons estranhamente metálicos e anacrónicos).

Mas isto, claro, não era o importante, porque o importante era criar "espectáculo" e fazer de Quando um Mundo Nasceu um "acontecimento" no panorama dos efeitos especiais (aspecto amplamente conseguido, já que o filme até continua a ser referido como um dos percursores de tais técnicas na Sétima Arte): razão porque esse "imaginário", esse "mundo perdido" e cruzado de pesadelos e fantasias continuam a fazer desta produção ambiciosa um objecto de culto, um espaço de aventuras que só poderia ter lugar no grande ecrã.

Não é difícil reconhecer que por trás detrás de tudo isto tenha estado Ray Harryhausen, um dos grandes mestres e inovadores da tecnologia de "stop-motion" no cinema, tecnologia que tinha conhecido igualmente no passado (também em colaboração com Don Chaffey) um dos seus episódios mais fundamentais com Jasão e os Argonautas (1963). E contudo, no meio de tanta incongruência, de tanto delírio visual e atentado moral à ciência, talvez o mais surpreendente sejam mesmo os bikinis que a maioria das personagens femininas envergam (não nos esqueçamos que estamos a falar de mulheres pré-históricas) em corpos monumentalmente esculpidos, com total descontracção e inocência. Não há como fugir, a evolução teima em conduzir-nos a isto: ao sexo e ao corpo perfeito de uma mulher (leia-se: Raquel Welch).

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Tous les Matins du Monde


Termina amanhã, pelas 21h 30, no Cine-Teatro de Alcobaça, o ciclo O Cinema Vai à Ópera, naquela que foi uma colaboração conjunta (nunca nos cansamos de o dizer) entre a direcção do XVII Cistermúsica - Festival de Música de Alcobaça e a *aurora (acção que esperamos tenha inaugurado assim uma relação frutuosa de inúmeras iniciativas futuras); facto que reafirma igualmente uma das maiores vocações do nosso projecto de programação de cinema: a integração da exibição de obras relevantes (e neste caso particularmente esquecidas) em eventos e dinâmicas culturais que não se restrinjam apenas à Sétima Arte.

A fechar, portanto, temos Tous les Matins du Monde, filme do francês Alain Courneau (um antigo músico de jazz transformado em cineasta) que retrata no grande ecrã duas das maiores figuras da música barroca no séc. XVII: Monsieur de Saint Colombe e Marin Marais, respectivamente interpretados nesta produção pelos actores Jean-Pierre Marielle e Gérard Depardieu. A escolha do filme foi uma selecção pessoal do director artístico do Cistermúsica (e incontestavelmente um dos maiores promotores musicais do nosso país) Alexandre Delgado, facto que reflecte ainda uma das grandes particularidades do projecto *aurora: a possibilidade dos vários agentes culturais e programadores que colaboram connosco participarem muitas vezes na própria programação e selecção dos filmes.

Estreado no ano de 1991 em Portugal, Tous les Matins du Monde é um filme hoje (e injustamente) um pouco esquecido, apesar de na sua época ter conhecido uma distribuição abrangente (fruto do seu sucesso junto do público) e uma notória aclamação na cerimónia dos Césares onde só à sua conta conquistou 7 prémios nas mais diversas categorias (e onde se incluíam Melhor Filme, Melhor Realizador, Guarda-Roupa, Fotografia, Actriz Secundária, Som e Música). Uma história onde o mestre e veterano Saint Colombe contrapõe as suas convicções artísticas e criativas (o compositor acreditava que só a música composta era "verdadeira", mostrando-se firmemente contrário às apresentações em público) ao "vedetismo" mais terreno do seu discípulo Marin Marais.

Uma curiosidade: Marais, enquanto jovem, é aqui interpretado pelo estreante Guillaume Depardieu (é ele quem vemos na imagem acima), naquele que constitui o seu primeiro papel no cinema (e logo ao lado do pai: o actor morreu tragicamente em Outubro do ano passado). Por último, uma palavra para a banda sonora do filme composta pelo músico catalão Jordi Savall, e que justifica largamente a presença desta obra no mesmo Cistermúsica que recebe o artista na data do seu encerramento: dia 20 de Junho na Nave Central do Mosteiro de Alcobaça. Aí, Savall interpretará algumas das mesmas obras que interpretou para este filme, o que só por si transforma Tous les Matins du Monde num excelente aperitivo para esse tão aguardado concerto de um dos maiores músicos da actualidade.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Cristo Carradine


Agora que David Carradine se foi (e quando mais do que nunca temos Kwai Chang Caine e Bill cravados no nosso coração) só nos lembramos daquele final de Boxcar Bertha; o filme de Martin Scorsese onde o actor norte-americano (filho de uma outra lenda do cinema clássico: John Carradine - foi ele "o cobarde Robert Ford" que alvejou Jesse James pelas costas no filme de Henry King, foi ele o acossado de Henry Fonda na sequela de Fritz Lang sobre esse mito do "wild west") interpretava o papel de um marginal sindicalista (não necessariamente por esta ordem) nos tempos da Grande Depressão e que lhe valeu um dos grandes papéis da sua vida.

Num momento em que se discute se Carradine cometeu ou não suicídio, se estava ou não mais alguém no quarto, se foi ou não um acidente de masturbação, é essa a imagem que se sobrepõe - talvez uma das imagens mais crísticas da História do Cinema: com a personagem de Bill Hershey crucificada no vagão de um comboio a vogar rumo a destino incerto (sob o olhar e a desespero da Bertha de Barbara Hershey; a sua Maria Madalena). Rumo à eternidade.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

David Carradine (1936 - 2009)


Kwai Chang Caine, o "gafanhoto", morreu ontem em Banguecoque.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Temos as cabeças a explodir?



Uma sincera e singela proposta musical (e visual): Two Weeks dos nova-iorquinos Grizzly Bear (em vídeoclip realizado por Patrick Daughters).

O belo ocultado


"O belo oculta-se aos olhos daqueles que não buscam a verdade, para os quais ela é contra-indicada. Porém, a profunda falta de espiritualidade das pessoas que vêem a arte e a condenam, e o fato de as mesmas não estarem dispostas nem prontas a refletir, num sentido mais elevado, sobre o significado e o objetivo da sua existência, vêm muitas vezes mascarados pela exclamação vulgarmente simplista: 'Não gosto disso!', 'É tedioso!'. Não é um argumento que se possa discutir, mas parece a reacção de um cego a quem se descreve um arco-íris. O homem contemporâneo permanece surdo ao sofrimento do artista que tenta compartilhar com os outros a verdade por ele alcançada.

Mas o que é a verdade?

Creio que um dos aspectos mais desoladores da nossa época é a total destruição na consciência das pessoas de tudo o que está ligado a uma percepção consciente do belo. A moderna cultura de massas, voltada para o 'consumidor', a civilização da prótese, está mutilando as almas das pessoas, criando barreiras entre o homem e as questões fundamentais da sua existência, entre o homem e a consciência de si próprio enquanto ser espiritual. O artista, porém, não pode ficar surdo ao chamado da beleza; só ela pode definir e organizar sua vontade criadora, permitindo-lhe, então, transmitir aos outros a sua fé. Um artista sem fé é como um pintor que houvesse nascido cego."

Andrei Tarkovski in Esculpir o Tempo (Editora Martins Fontes)

Marilyn Monroe (1950)


Aí estão as novas fotografias de Marilyn Monroe retiradas ao precioso baú da revista Life: captadas em 1950, altura em que Norma Jean era ainda relativamente desconhecida (e a razão, aliás, mais que provável para que tenham caído directamente na obscuridade: "Who the hell is Marilyn Monroe?", perguntaram os responsáveis pela revista norte-americana então), são o registo de uma sessão levada a cabo pelo fotógrafo Ed Clark que a conduziu até ao Griffith Park e a colocou a ler poesia e páginas de argumentos no meio do bucolismo da vegetação.

Os negativos só agora foram descobertos após o recente esforço da Life na digitalização e disponibilização de grande parte dos seus arquivos e revelam uma Marilyn a caminho do estrelato: estava a três meses de entrar em filmes como The Asphalt Jungle de John Huston ou All About Eve de Joseph L. Mankiewicz. Casada com um marinheiro e operária numa fábrica de munições, Clark chegou até ela através do telefonema de um amigo na 20th Century Fox que a anunciou como um "hot tomato".

terça-feira, 2 de junho de 2009

A Rainha das Rosas


Texto de Ricardo Parodi sobre a actriz Magdalena Montezuma, alma e corpo do filme de Werner Schroeter O Rei das Rosas, hoje apresentado no ciclo O Cinema Vai à Ópera, pelas 21h 30, no Cine-Teatro de Alcobaça:

"Magdalena Montezuma foi a actriz fetiche de boa parte dos filmes de Schroeter. Foi sua amiga e conselheira. Foi sua promotora em algumas ocasiões. Em 1983 é detectado nela um cancro em estado avançado. Não é possível operá-la e a quimioterapia não faz efeito. Mesmo assim, ela tem um desejo que carregou por mais de quinze anos: realizar um filme baseado em vários poemas de Edgar Allan Poe.

Schroeter move céus e terra buscando fundos para poder concretizar o filme. Endivida-se até aos cabelos mas finalmente consegue realizar O Rei das Rosas (Der Rosenkönig 1984-1986). O filme é o testamento artístico de Montezuma que morre três meses depois do término da rodagem. É um filme totalmente barroco, desmesurado, desde o seu tema: uma mulher quer conseguir as rosas mais vermelhas jamais criadas, quer conseguir a perfeição das rosas, a “vermelhidão” (o conceito de vermelho) perfeita. Para isso regará seus roseirais com sangue fresco de um jovem assassinado. Trata-se de alcançar a perfeição a qualquer custo. Qualquer custo deve ser pago para alcançar a perfeição da obra de arte? Parece que Magdalena e Werner são capazes de afirmar que sim.

A fotografia de O Rei das Rosas está pregada de detalhes, com uma iluminação saturada de cores fortes. Novamente a localização escolhida é a Itália. Lá se lerão diversos poemas de Poe e outros textos escritos pela própria Montezuma. Um revólver, uma rosa e a luz intensa de um projector de 16 mm. Um céu estrelado construído com fogos de artifícios, como se se tratasse de um teatro de ópera. Teias de aranhas nos cantos de uma velha residência. Gestos e olhares suspeitos. Tentativas de envenenamento. Sempre, em todo momento, a presença da morte morde a imagem em O Rei das Rosas. Mas o filme, como a arte, é a negação da morte. O filme é a afirmação da vida pela graça da arte. E é também como se Schroeter mesmo quisesse se transformar em um novo senhor Valdemar para hipnotizar sua amada Magdalena e que esta permaneça em uma semivida (a do cinema) que se esquiva da morte.

Verdi, Vangelis, Mozart, Puccini, Jacques Brel, e outros anjos da música são convocados para colaborar com tal tarefa. Também a literatura vem ao resgate. Essa pulsão literária (...), reaparece aqui como artifício glamouroso do afecto. De afectos e distâncias, de espaços despejados, de uma noite eterna que povoa as tristes habitações onde se lêem poemas, tudo isso rodeia a solidão onde Montezuma se despede da arte, melhor dizendo, da vida."

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O homem sem fé


"Aquilo de que temos a certeza é que ninguém nasce senão para morrer e nenhum dos nossos voltou para contar o que há depois da morte. Eu penso muito nisso agora, quando se chega à minha idade está-se muito mais consciente. Sou um homem da dúvida. Por isso, trabalho. A fé é um dom que a natureza dá. A natureza é subtil e extraordinária. Assim como nos deu a fome, deu-nos a fé. O homem sem fé não pode viver."

Manoel de Oliveira no suplemento Actual do semanário Expresso de 1 de Maio