quarta-feira, 3 de junho de 2009

O belo ocultado


"O belo oculta-se aos olhos daqueles que não buscam a verdade, para os quais ela é contra-indicada. Porém, a profunda falta de espiritualidade das pessoas que vêem a arte e a condenam, e o fato de as mesmas não estarem dispostas nem prontas a refletir, num sentido mais elevado, sobre o significado e o objetivo da sua existência, vêm muitas vezes mascarados pela exclamação vulgarmente simplista: 'Não gosto disso!', 'É tedioso!'. Não é um argumento que se possa discutir, mas parece a reacção de um cego a quem se descreve um arco-íris. O homem contemporâneo permanece surdo ao sofrimento do artista que tenta compartilhar com os outros a verdade por ele alcançada.

Mas o que é a verdade?

Creio que um dos aspectos mais desoladores da nossa época é a total destruição na consciência das pessoas de tudo o que está ligado a uma percepção consciente do belo. A moderna cultura de massas, voltada para o 'consumidor', a civilização da prótese, está mutilando as almas das pessoas, criando barreiras entre o homem e as questões fundamentais da sua existência, entre o homem e a consciência de si próprio enquanto ser espiritual. O artista, porém, não pode ficar surdo ao chamado da beleza; só ela pode definir e organizar sua vontade criadora, permitindo-lhe, então, transmitir aos outros a sua fé. Um artista sem fé é como um pintor que houvesse nascido cego."

Andrei Tarkovski in Esculpir o Tempo (Editora Martins Fontes)

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