Já sabíamos, e desde há muito, que a Pixar era uma das grandes herdeiras da tradição mais clássica e popular do cinema; não apenas um estúdio de animação, mas um estúdio que ao longo dos anos e desde
Toy Story foi capaz de evocar a virtude mais primordial da Sétima Arte em colocar uma história, uma narrativa e as suas personagens ao serviço das grandes emoções humanas, ao serviço tanto do entretenimento e da componente mais popular do cinema, mas também como motor de uma reflexão mais profunda sobre a vida e a existência do indivíduo. Sempre que olhamos para ali vemos um pedaço da História do Cinema, aliás, um dos "melhores pedaços" da História do Cinema, onde tanto cabe o legado de figuras tão intransponíveis como Chaplin e Keaton, entre muitos outros, como as grandes questões que interessa colocar no nosso tempo (ou em qualquer tempo). Podemos arriscar dizer que não há um filme mau da Pixar, e sobretudo temos em muita boa conta obras como
Os Incríveis ou
Wall-E que insistimos em considerar autênticas obras-primas.
Agora que temos
Up -Altamente!, a mais recente "maravilha" saída das cabeças do estúdio que revolucionou o panorama da animação cinematográfica desde há uma década, descobrimos ainda ali um dos momentos mais perfeitos da produção contemporânea, perfeitamente simbólico das carências do nosso tempo e ao mesmo tempo o epítome das qualidades criativas e artísticas dos senhores da Pixar. Os minutos iniciais de
Up - Altamente! (não os contamos, mas serão cerca de dez a quinze minutos) são das melhores coisinhas que já observamos numa sala de cinema: um filme adulto dentro de um filme de animação, um filme adulto numa sala de cinema onde cada vez mais se impedem de entrar filmes adultos. Naquela história de uma vida, naquele retrato de um homem nascido numa época e esmagado por outra, naquela viagem de sonhos e frustrações, de conquistas e perdas, de partilhas e ausências, está um dos melhores momentos do ano.
Pura síntese narrativa e um equilíbrio formal e emocional que bate aos pontos (e de caras) 99 por cento de toda a oferta que a distribuição insiste em impor-nos recorrentemente.
Up- Altamente! é isto e muito mais: um cruzamento entre o
Gran Torino de Eastwood (como muito bem refere o crítico
Luís Miguel Oliveira) e o
Indiana Jones de Spielberg, uma aventura lírica e filosófica que incui como cenário o encontro e desencontro entre gerações, uma revitalização dos valores fundamentais do cinema. Está ali cinema, portanto. E isso fazia-nos muita falta.