Como é sabido o doclisboa cortou este ano a sua ligação à RTP2 por considerar que o canal público não tem apoiado e divulgado suficientemente o documentário nacional e internacional. Um acto radical para muitos, um gesto corajoso para outros, a verdade é que pôs muita gente a discutir aquilo que por vezes não se discute: até que ponto o documentário como género e o documentário nacional como expressão cultural e social portuguesa têm sido tratados no nosso país? Sérgio Tréfaut, director do festival que colocou o cinema documental num plano que talvez nunca como agora havia antes conhecido, e Pedro Borges, director da distribuidora e produtora Midas Filmes (e um dos catálogos que mais tem feito por incluir o documentário no mercado nacional) esgrimem argumentos num artigo do Público contra Jorge Wemans, director da RTP2, que diz não compreender as razões que levaram ao divórcio entre o festival e o canal do Estado.
É um facto que a RTP nunca fez o suficiente para divulgar e promover o documentário português e o género numa grelha de programação onde os poucos exemplos se perdem na espuma de horários tardios e inconsequentes. Por outro lado, também é legítimo perguntar até que ponto este tipo de antagonismos produz resultados num panorama já de si pobre e pouco fértil para a divulgação do documentário nacional, dos seus autores e temas? Disto temos a certeza: a televisão (e essencialmente a televisão pública) como meio fundamental e propício ao desenvolvimento do documentário, mas também como um dos seus campos principais de expressão, tem vivido alheia ao crescimento e à dinâmica actual da nossa produção documental.
Não deixa realmente de ser uma injustiça observar como grande parte do país não conhece provavelmente aquele que é um dos seus géneros cinematográficos mais ricos e estimulantes do momento, capaz de reflectir as verdadeiras questões nacionais (e nesse aspecto parece-nos óbvio: a RTP continua demasiado politizada e não deveria responder directamente, como acontece, perante o poder governamental) e rico na formação de novos valores e nomes no panorama do cinema nacional. Para quem não tem oportunidade de viajar até Lisboa e viver aquilo que o doclisboa representa e concretiza neste domínio, o comportamento da RTP2 é naturalmente reprovável. O que prova mais uma vez que o canal público não cumpre aquilo para que foi criado: descentralizar a visão do documentário português e promover um olhar verdadeiramente equitativo dos nossos acontecimentos culturais (e não estamos só a falar do doclisboa, estamos a falar do documentarismo como uma forma de consciência e intervenção social).
(na imagem uma foto do filme Os Esquecidos, filme do leiriense Pedro Neves, presente na Competição Nacional)
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