sábado, 30 de maio de 2009

Curiosidade


É a perturbadora frase do dia: "Hoje ninguém mostra curiosidade. Não há curiosidade. Porquê? Depois aparecem as arrogâncias da ignorância, que é o pior que há." José Gil fala da curiosidade pelo conhecimento, a curiosidade que faz da ignorância um instrumento ao serviço do saber, mas que neste mundo deixou de existir e onde, pior do que isso, foi substituída pela arrogância desse tipo de individualismo que diz às criancinhas (grandes e pequenas, infantis ou adultas) que já sabemos tudo sem esforço, sem dedicação, sem paixão pela aprendizagem, com um simples premir de tecla no Magalhães e ignorando séculos de História, Literatura ou Filosofia (assim mesmo com letra maiúscula para se perceber que são coisas importantes). Mas pronto, não vos vamos chatear mais, quando isto são incómodos num mundo de confortos... (mas por favor leiam a entrevista aqui)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

World Cinema Foundation


Martin Scorsese chama-lhe uma "natural extensão do meu amor pelo cinema". Faz sentido: a World Cinema Foundation, criada em 2007 e encabeçada por nomes como Abbas Kiarostami, Wim Wenders, Stephen Frears, Guillermo del Toro e Alejandro Gonzáles Iñárritu, entre outros, mais do que uma instituição destinada a preservar e a restaurar grandes obras cinematográficas negligenciadas por esse mundo fora (e sobretudo nos países que carecem de maiores meios para o fazer), mais do que uma iniciativa empenhada em recuperar boa parte do património visual que constrói a identidade humana, mais do que uma plataforma institucional capaz de auxiliar no combate à degradação das obras-primas nacionais que compõem cada filmografia, é mais um exemplo da paixão de um cineasta (e de um homem) pela Sétima Arte.

Vale a pena dar uma olhada ao site e perceber a amplitude do seu trabalho (não é caso novo: Scorsese já tinha fundado com os seus "compagnons de route" Steven Spielberg, George Lucas, Stanley Kubrick e Clint Eastwood algo semelhante na América em 1990; a Film Foundation) e apontar aquela que é uma das suas primordiais missões: "a defesa do corpo e do espírito do cinema na crença de que a preservação das obras do passado possam encorajar as futuras gerações a considerarem os filmes como uma forma universal de expressão". Crença é a palavra certa; e se tal como o realizador diz na página de abertura acreditar agora "existir uma consciência para a preservação do cinema", nós acreditamos com ele.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Farinelli: a voz dos anjos



E ao segundo capítulo do ciclo O Cinema Vai à Ópera temos Farinelli de Gérard Corbiau (é hoje, no Cine-Teatro de Alcobaça, pelas 21h 30), um retrato do mais famoso cantor castrato de sempre: Carlos Maria Broschi, por muitos considerado como a maior voz de todos os tempos. Uma voz conquistada não sem um profundo sacrifício físico: Broschi, tal como era hábito na época, foi castrado na infância no sentido de manter a pureza e a qualidade do registo vocal que desde tenra idade o anunciava como um dos maiores talentos a passar alguma vez pelos palcos.

Além do seu percurso artístico e da convulsa relação com o seu irmão, o compositor Riccardo Broschi (a quem Farinelli entregava as conquistas sexuais que não podia consumar), o filme do belga Corbiau sublinha precisamente o carácter deste tipo de concessão à arte elevada ao seu mais alto extremo (e onde a mutilação se define como símbolo perturbador). Mais: neste quadro vemos ainda Haendel, o famoso compositor germano-britânico que acabou por compor algumas das peças barrocas que melhor fizeram ressaltar a voz de Carlos Maria Broschi, caso da ópera Rinaldo e da ária que acima evocamos (retirada precisamente de uma das sequências mais memoráveis da película); Lascia Ch'io Pianga.

Nota: não existindo, naturalmente, qualquer gravação da voz de Broschi (não esquecer: estávamos no séc. XVIII), os produtores de Farinelli resolveram-se por uma solução que mostra até que ponto o registo do artista se mostrava inatingível. Só unindo a voz da soprano Ewa Małas-Godlewska e do contra-tenor Derek Lee Ragin se conseguiu, de certo modo, garantir a qualidade "angelical" e etérea que exprimia. Se os anjos não têm de facto sexo, Farinelli terá sido a voz mais próxima a estar perto deles.

sábado, 23 de maio de 2009

Il "senso" di Bénard da Costa


Era um dos "filmes da vida" de João Bénard da Costa; Senso abriu na passada terça-feira o ciclo O Cinema Vai à Ópera, circunstância que de forma perturbantemente irónica acabou por contrastar, apenas dois dias depois, com o desaparecimento do director da Cinemateca Portuguesa. A primeira vez que o vimos aconteceu precisamente na sala Félix Ribeiro; Bénard da Costa estava na sessão e recordamo-nos da sua presença na sala onde, mais uma vez, se dedicava a transmitir boa parte do amor que tinha por esta obra de Visconti.

Já se disse muito a respeito do seu trabalho pelo cinema em Portugal e principalmente da capacidade que tinha em partilhar a sua paixão pela Sétima Arte (através das míticas folhas da Cinemateca que educaram gerações de cinéfilos, dos seus livros, das suas crónicas, ou até mesmo nas entrevistas que dava para a televisão ou através das introduções que chegou a gravar durante os saudosos ciclos da RTP 2 ). Era uma voz respeitada e educada, mas mais do que isso era um homem que conseguia oferecer-nos uma visão do cinema absolutamente apaixonada. Isto permitia-nos apaixonar pelos filmes da mesma forma que ele se havia apaixonado por eles; pois de certo modo, o que Bénard da Costa fazia era seduzir-nos com a sua "paixão" pelos filmes.

Sem esse "sentimento" virtuoso, profundo e intenso, maior do que a vida e condição da própria vida, nunca olharíamos para os grandes filmes (a cuja categoria Senso indelevelmente pertence) da maneira que estes verdadeiramente mereceriam. Se alguma coisa é capaz de definir um cinéfilo, não temos dúvida de que é isto: a capacidade de levar-nos a amar tanto como ele uma das suas obras de eleição. Bénard da Costa dava-nos o cinema porque nos oferecia o "senso" que tinha por eles.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Contacto com Deus


"O problema é que perdemos a nossa espiritualidade. Perdemos o contacto connosco mesmos e perdemos de vista o propósito da nossa existência. Perdemos contacto com Deus. Não me refiro a Deus como aquele homem de barbas, o pai, o castigador, mas sim, Deus como fonte, como espírito, um fluir de energia e luz que une todas as coisas. Sentimo-nos vazios, temos em nós um imenso buraco. Não conheço ninguém que não sinta um enorme vazio na vida. Desviamos o olhar, para não nos questionarmos. Porque é que os dias se fundem uns nos outros... Porque é que a noite negra se avoluma na boca... Porque é que esta gente está toda morta?"

Cassandra (Suzy Amis) in Nadja (1994) de Michael Almereyda

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Sobre "Un Chien Andalou"

Susana


"Parece um sonho."

A frase que termina Susana de Luis Buñuel; e que não deixa de resumir boa parte da obra do cineasta.

(na foto: Fernando Soler, Rosita Quintana e o próprio realizador durante a rodagem do filme)

Gilles Jacob: o senhor Cannes


Como estamos em maré de citações, cá vai mais uma (sublinhados nossos):

"Não penso que o cinema tenha morrido. O cinema está sempre à beira de morrer e sempre à beira de nascer outra vez. Repare: já se falava na morte do cinema quando apareceu a televisão, já se dizia que para o cinema sobreviver tinha que imitar a televisão, ser um telefilme, cheio de diálogos e de grandes planos... Por isso é que alguns autores desataram a fazer filmes sem diálogos nenhuns e completamente abstractos.
(...)
O que me torna pessimista é a diminuição da curiosidade do espectador. Isso é que é dramático: todas as solicitações dos jovens, a internet, desviam esta geração do cinema, e do cinema que não é americano. O cinema português é bom exemplo. Manoel de Oliveira é um enorme carvalho que colocou na sombra uma série de cineastas portugueses. Encarna a alma de um país. Ora, para além da curiosidade que de fora se possa ter por quem encarna a alma de um país, não sobra muito mais para descobrir outras coisas. E no caso português é injusto que não se conheça uma escola forte de documentarismo. Os jornalistas e críticos têm aí papel fundamental."

Gilles Jacob em entrevista a Vasco Câmara, publicada no Público do passado dia 12 de Maio: texto integral aqui.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Cartaz


Temos saudades de cartazes como este (desenhados à mão, sem efeitos nem photoshop): nas ruas, nas fachadas dos cinemas e na nossa vida.

"Senso" pela voz do especialista


Poderíamos também dizer alguma coisa sobre Senso, mas está tudo aqui (e o melhor mesmo é dar espaço a quem o faz melhor do que ninguém: João Bénard da Costa):

"Não se pode perceber o cinema de Visconti se o separarmos do que fez no teatro e do que fez na ópera. Se o cinema de Visconti é, como tantas vezes tem sido dito, um cinema teatral e um cinema operático (um cinema assumidamente melodramático) por igual a revolução teatral a que presidiu (e que é equivalente àquela que, pelos mesmos anos, o Actor's Studio originou na América) é uma revolução cinematográfica, como do cinema são inseparáveis as suas grandes encenações operáticas, sobretudo nos anos 50 e no período em que projectou a Callas como uma das maiores divas do século. Em Abril de 1966, pouco antes de fazer 60 anos, e no auge da reputação, Visconti, numa entrevista publicada no Evening Standard, respondeu nestes termos a S. Edwards que lhe perguntou qual das três artes (cinema, teatro ou ópera) ele preferia: 'Aquela em que não estou a trabalhar nessa ocasião. Quando enceno ópera, sonho com cinema. Quando estou a trabalhar no cinema, sonho com ópera e quando estou a fazer uma peça sonho com música. Trabalhar noutras areas, é uma mudança, uma pausa'. Convém ter presente que os filmes (...), sobretudo a partir de Senso, são também essa pausa e que se interligam, todos, com as realizações teatrais e operáticas contemporâneas deles.

Senso é (...) um exemplo fulgurante. Se Senso é, por essência e excelência, um filme ópera, não o é por começar num teatro de ópera - o La Fenice de Veneza - durante uma récita de O Trovador de Verdi, quando Leonora e Manrico evocam, na varanda de Castellor, ‘l’onda de suoni mistici', 'gioe di casto amore'. O facto de se ouvir ópera durante os primeiros dez minutos do filme não é irrelevante (longe disso) mas não confere a Senso a dimensão operática que inegavelmente tem. Essa dimensão vem da prodigiosa articulação entre as vozes dos protagonistas (sobretudo as de Alida Valli e Farley Granger) e a música off, no insólito aproveitamento operático da 7ª Sinfonia de Bruckner. Porque, nos 'duetos' ou 'árias' dos protagonistas (e haverá outros termos para nos referirmos aos passeios nocturnos de Franz e Livia pelas ruas de Veneza, à noite de amor deles em Lonedo, ou aos 'fortissimi' de Alida Valli, quer quando percorre os corredores para roubar o dinheiro dos patriotas, quer quando grita por Franz nas ruas de Verona?) o que os personagens dizem é sustentado a Bruckner (quer pelo 'adagio' para os momentos de intimidade, quer pelo 'scherzo' para os momentos de paixão) e as vozes são tão inseparáveis dessa música como na ópera o são. Depois de se ter visto Senso nunca mais se pode ouvir a 7ª de Bruckner sem 'sentir' que lhe falta essa dimensão de vozes ou sem a ouvir como música de 'acompanhamento'. Mas é igualmente impossível pensar em Senso sem 'ouvir' Bruckner ou pensar neste filme sem essa banda musical.

Muitos filmes se fizeram e farão em que essa impossibilidade também existe, mas não conheço nenhum outro em que a sobreposição de música e vozes (sobre-impressas e justapostas) tenha conferido um tal relevo aos personagens, que nelas encontram (simultaneamente) a sua própria razão de ser e a sua potencialidade dramática. Nunca, como em Senso, voz e música foram forçadas até esse exacerbamento, paradoxalmente num filme cuja estrutura não é nem musical nem teatral, mas, pelo contrário, profundamente literária (o romantismo da novela de Boito). Por isso mesmo, Senso é um filme sem descendência. Ou melhor, é um filme cuja descendência não é cinematográfica mas operática. Se quiserem pensar numa posteridade de Senso ela não se encontra em nenhum outro filme de Visconti (nem mesmo em Rocco, o mais paroxístico de todos, nem mesmo em Il Gattopardo, o mais coral de todos) mas nas encenações que, de 1954 a 1957, Visconti fez para o Scala de Milão de La Vestale, da Sonâmbula de Bellini, da Traviata de Verdi, da Ana Bolena de Donizetti ou da Ifigénia en Táurida de Gluck, que revolucionaram todos os conceitos de encenação operática no século XX. E se quisermos pensar numa posteridade de Alida Valli (a Alida Valli de Senso, papel supremo da sua carreira) o nome com que nos encontramos é o da mulher para a qual Visconti fez as referidas encenações: Maria Callas.

Entre o ponto limite das encenações propostas pelos autores do Método e o início da revolução operática da era Callas, ficou, como ponto de confluência e como ponto de divergência, esse filme chamado Senso. Filme que tanto representa o apogeu de uma certa ideia de mise en scène, como o ponto de partida para a desconstrução dela, em que, de resto, ainda não se avançou muito mais do que o que Visconti deu a ver nas sequências de La Fenice ou nos minutos que decorrem entre Farley Granger pedir a Alida Valli os 3000 florins que lhe comprarão a deserção e ela lhos dar. Depois de atravessar, correndo, as sete portas de toda a história da perspectiva arquitectónica e pictórica (no palácio de Palladio) e da humana perdição nos meandros dela."

(excerto retirado do texto escrito por João Bénard da Costa, intitulado Luchino Visconti: o último esteta, e incluído no livro Violência e Paixão: Os Filmes de Luchino Visconti, organizado e editado pelo Departamento de Cinema, Audiovisual e Multimédia, Odisseia de Imagens, da PORTO 2001 – Capital Europeia da Cultura)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Zha Lai Nuo Er


Jalainur é a segunda longa-metragem de um jovem cineasta chinês: Ye Zhao, que ao que consta nem terá sequer chegado aos trinta anos (e já vai coleccionando prémios por vários festivais: o último foi mesmo o Indie Lisboa onde acabou por vencer o Prémio de Distribuição). Um filme profundamente "visual", que capta com especial devoção a paisagem mineira de Jalainur e a linha de comboio "apensa" onde velhas locomotivas fumegantes (e o "fumo" funciona aqui praticamente como uma personagem, mas já lá vamos) transportam vastos vagões de carvão (indispensáveis, imaginamos, à voracidade energética dessa potência galopante que nos últimos anos construiu a reputação económica da China). Um filme que retrata não só uma história de amizade entre um velho maquinista e um sinaleiro de via-férrea, mas a dor da sua ruptura, motivada pela reforma do primeiro.

Começámos por mencionar a forma como Ye Zhao nos devolve aquela paisagem agreste, inóspita e por vezes opressiva (a mina situa-se na cidade de Manghouli no interior da Mongólia), e contudo tão bela, sedutora e hipnotizante, capaz de engolir o corpo frágil do indivíduo e ao mesmo tempo de nos sugerir uma dimensão absolutamente poética daquele lugar no mundo. Tudo isto rima naturalmente com a separação das duas personagens principais e com a ausência que fica junto de cada uma delas; uma dor muda, frágil, mas desassombrada, sem vestígios de culpa nem remorso (se há coisas que parecem ficar por dizer é isso mesmo que torna o filme ainda mais sedutor), pacificada, por muito estranho que isto nos pareça (e parece-nos).

Outro aspecto relevante desta obra está na atmosfera "vaporosa" que impregna a história ou, sem subterfúgios, a obsessão que o realizador mostra em relação ao "fumo": se há uma terceira personagem por aqui é esta. Está em todo lado: nas nuvens de fuligem e vapor que sobem das chaminés das locomotivas, nos jactos que assobiam debaixo das rodas de ferro, nas baforadas de cigarro daqueles homens que encontram no tabaco uma pausa, no próprio bafo da respiração humana. Como se Zhao Ye filmasse apenas locomotivas mesmo quando filma os trabalhadores.

Sim, como dizia na sinopse avançada pelo Indie, há uma precisão quase documental (à semelhança de muitos cineastas da sua geração) na abordagem a esta China moderna, rasgada pela industrialização e pela dimensão precária do universo do trabalho. No entanto, vemos uma pequena diferença: a fragilidade daqueles seres em contraste com a dureza da paisagem origina um milagre que é da ordem da esperança (uma esperança que nos surge fundada na lenta passagem do tempo e da vida) e que não deixa amargura (nós, pelo menos, não a guardámos). Algo que vem também acompanhado por uma deliciosa partitura musical composta por Lin Chaoyang (um nome que vamos reter com atenção), a pontuar a narrativa em momentos-chave (mais em jeito de interlúdio e menos como "bengala" das imagens). Ou seja, Zhao Ye encontra beleza onde outros, muitas vezes, só vêem desespero. O que não deixa de ser uma afirmação interessante no contexto geracional onde surge. Contas feitas: Jalainur é um filme belo (quando nos perguntarem o que vimos nele, será isso que diremos).

sábado, 16 de maio de 2009

In Heaven II

In Heaven I

Palhaço



Eles estavam ontem por lá, no documentário de Lírio Ferreira, sobre Humberto Teixeira: "O Homem que Engarrafava Nuvens" (e pode-se dizer que nos contaminaram).

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A Nova Cinefilia


Hoje no suplemento Ípsilon do Público, uma reportagem intitulada A Nova Cinefilia (nem a propósito: ver post mais abaixo) do jornalista Luís Miguel Queirós, transcrevemos o seguinte excerto:

"Sensivelmente da mesma idade que David Pereira, Guilherme Blanc, promotor de projectos de cineclubismo universitário e um dos subscritores do abaixo-assinado que, recentemente, veio exigir a criação de um pólo da Cinemateca no Porto, coloca várias reservas a este retrato do novo cinéfilo como um comprador compulsivo de DVD, de gostos ecléticos, que trocou a sala pelo sofá.

'Os DVD são objectos de luxo para uma pessoas que ainda está a estudar, e não posso adquirir os suficientes para alimentar a minha cinefilia', diz. E, 'por razões tecnológicas', também não pirateia na Internet, embora reconheça, por regra, a sua geração 'adquire cultura cinematográfica através do acesso a formatos ilegais'. Do que gosta mesmo é de ver cinema em salas, e está convencido de que assistiremos ao regresso das salas independentes. Esse é, aliás, o tema da tese de mestrado que está a fazer em Londres.

'Acho que vai haver um retorno à exibição clássica e que a tendência não é para a expansão dos multiplex, mas também não será um regresso ao modelo falhado da sala independente.' Acredita que a solução passa não apenas por assegurar o conforto que as velhas salas não tinham, e por recuperar espaços de socialização que tinham, mas também por levar cineastas e actores às salas e por promover apresentações e debates'."

Vale a pena ler não só o texto integral da reportagem (podem fazê-lo aqui) como o artigo que a acompanha, escrito pelo crítico Luís Miguel Oliveira, sobre as várias definições que o termo "cinefilia" hoje encerra.

E terminar, assegurando ao Guilherme Blanc, que a *aurora é já esse "retorno" que ele anuncia da exibição clássica (razão porque concordamos em absoluto com o último parágrafo por si descrito).

Extra! Extra! IndieLisboa & Visita Guiada


A Extensão do Indie Lisboa 2009 já abriu hoje, pela tarde, com a sessão Indie Júnior + 3 anos no Cine-Teatro de Alcobaça. À noite, pelas 21h 30, chega a vez de O Homem que Engarrafava Nuvens de Lírio Ferreira, uma incursão documental pela vida e figura de Humberto Teixeira, compositor, advogado, deputado federal, criador da lei de direitos de autor no Brasil e, finalmente, um dos responsáveis pela divulgação da música nordestina no mundo (com alguns seguidores de peso, tais como David Byrne, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, Gal Costa, Bebel Gilberto, Elba Ramalho ou Luiz Gonzaga).

Mas não vamos estar aqui a enunciar todo o programa, até porque este pode finalmente ser consultado na íntegra aqui. A ocasião serve antes para informar sobre o que não estava programado à partida: Visita Guiada de Tiago Hespanha (um filme que foi exibido igualmente na Extensão de Leiria) surge agora como sessão extra no próximo domingo, pelas 17h. Faz sentido por duas razões simples: a primeira porque retrata a forma como é interpretado o nosso património arquitectónico e a nossa História no "espaço" das visitas turísticas, a segunda porque é uma obra que devolve um olhar renovado e, por vezes, irónico sobre nós, portugueses e os nossos feitos.

A terceira poderia ainda ser esta: estamos, afinal, numa cidade fundada e construída precisamente em torno de um monumento histórico e fundamental na fundação do país (o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça), uma cidade que em grande parte depende do turismo e da preservação do seu património, mas que muitas vezes parece esquecê-lo e ignorá-lo ao ritmo da sua própria rotina diária (quem sabe este documentário não lance uma luz diferente à percepção que os alcobacenses têm da sua terra). Sabemos que a produção andou por cá a filmar algumas sequências, mas não o vamos esconder: Alcobaça acabou por não ter direito de antena no filme de Tiago Hespanha (mais tarde vamos tentar investigar porquê), resolvendo restringir-se a locais como Guimarães, Lisboa e Sagres (e reparem como desenha uma viagem de Norte para Sul ao longo de todo o território).

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Ainda há cinéfilos?


Há uns tempos, em jeito de brincadeira e provocação, lançámos uma interrogação através do nosso twitter que começava por questionar o seguinte: ainda há cinéfilos? A questão persegue-nos desde há uns tempos e o tempo suficiente para perceber que a crise de cinefilia vivida hoje em dia ainda nos deixa um pouco assombrados: de facto, cinéfilos como antigamente, capazes de se mobilizarem e viajarem, de facto, até à sala de cinema (isto no contexto da província, acreditamos que em Lisboa a Cinemateca ainda vai dando bem conta do recado, apesar de esquecer o resto do país) já não existem realmente (ou não existem muitos, pelo menos).

Mas a experiência da *aurora uma coisa nos tem ensinado: se são cada vez menos os cinéfilos (os cinéfilos de "casa" para nós não entram nestas contas: onde está a disponibilidade para a sala de cinema, para a película de 35 mm, para o debate e discussão, para a partilha de vozes e opiniões no átrio?) os espectadores de cinema, sabemos, existem. E que tal como os filmes, os autores e as filmografias, continuam diversos entre si, interessados, atentos e a manter aquela sede de conhecimento que, essa sim, contém a semente do que é a verdadeira "cinefilia".

É uma crítica com a qual muitos não poderão vir concordar, mas temos a sensação que o "cinéfilo" dos nossos dias é menos um espectador de cinema e mais um consumidor de títulos remotos e relativamente estrambólicos que a maioria das vezes não saem da sua exclusiva colecção de DVD milimetricamente arrumada nas prateleiras. Podem chamar-nos conservadores ou reaccionários e virem dizer-nos que o cinéfilo não se restringe actualmente apenas à sala de cinema, que os novos formatos e as novas plataformas de comunicação são igualmente campos de cinefilia (o que até um certo ponto concordamos: sem deixar de afirmar que mesmo assim isso não impediu de trair as receitas da indústria e em consequência pôr em causa a própria produção cinematográfica).

Contudo, no mundo sem regulação que tem caracterizado a Internet (e essencialmente num mundo que reduz a maioria das vezes o cinema a uma pura lógica de consumo cibernético) a Sétima Arte deixou de respirar a experiência de tempo que a caracteriza (e de gerar uma sentida reflexão e partilha de opiniões que aspirem a mais do que o habitual "bitaite"). É por isso que ainda estamos de certo modo à espera que os "cinéfilos" sejam mais "espectadores de cinema" e que saiam das suas tocas como acontecia no passado não apenas para observar os filmes, mas para nos contarem o que observaram. Não estamos a pedir muito, pois não?

(na foto Henri Langlois, uma lenda da cinefilia, fundador da Cinemateca Francesa e pioneiro na preservação da memória do cinema)

sábado, 9 de maio de 2009

"Movie Pleasure"


Há momentos em que o nosso prazer de mostrar filmes se combina com o prazer de quem os vê. É aí que queremos estar. É aí que "nos" podem encontrar.

(na imagem uma cena de Ondas de Paixão onde Jan e Bessie assistem a um filme da Lassie)

The "real" Tony Manero: o rei das pistas de dança



A poucas horas de vermos Tony Manero do chileno Pablo Larrain na Extensão do Indie Lisboa em Leiria (Teatro José Lúcio da Silva, às 21h 30), um dos títulos que maiores simpatias e atenções conquistou do público durante a sexta edição do Festival, deixamos aqui uma das sequências mais famosas do "real" Tony Manero no mítico Febre de Sábado à Noite (1977). 

A sua personagem continua hoje um ícone e um símbolo da sua época (finais de década de 1970), mas também imagem de um período louco de extravagância, boémia, liberdade sexual e cultura "disco-sound" (que ciclicamente nos entra pelas pistas de dança adentro). Da noite para o dia, transformou John Travolta num fenómeno de popularidade (facto mais tarde exponenciado em Grease, embora também seja verdade que antes disso já havia passado pelo genial Carrie de Brian De Palma) e que pôs o mundo inteiro a tentar imitar as suas célebre coreagrafias, desde as mais luxuosas discotecas às mais obscuras "boites" (termo que especialmente apreciamos).

É o efeito dessa "imagem" que também está em causa no filme de Larrain e a forma peculiar como acabou por ser apropriada no seio da cultura popular (e que hoje não deixa de se manter e revitalizar). Quem, como ele, nunca quis ser o "rei" da pista de dança?

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Nicolas & Guillemette



Começa hoje, às 14h 30, a extensão do Indie Lisboa 2009 em Leiria numa iniciativa conjunta entre a *aurora, a Zero em Comportamento, o Teatro José Lúcio da Silva e o Teatro Miguel Franco que durante quatro dias vão apresentar uma pequena (mas notória) amostra do que o Festival apresentou este ano na capital dentro da área da produção independente. A abrir, temos, portanto, uma sessão que nos últimos anos tratou de fazer chegar também aos mais novos (embora sem esquecer os graúdos) aquilo que melhor se tem feito no capítulo da animação: e a abrir um pouco o apetite aqui fica o trailer da obra que inaugurará precisamente a extensão. Até já.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Leiria + Alcobaça = O melhor do Indie Lisboa



A intenção inicial era que as duas extensões do Indie Lisboa 2009 em Leiria (Teatro José Lúcio da Silva e Teatro Miguel Franco) e Alcobaça (Cine-Teatro de Alcobaça) não "competissem" uma com a outra no capítulo da programação (ou seja, evitando filmes repetidos ou uma selecção redundante). Conseguimo-lo: tirando a sessão de abertura do Indie Júnior + 3 anos, não existe mais nenhum título que, digamos, "colida" entre ambas as extensões (consulta a programação completa aqui). No fundo, a ideia era que os dois programas se complementassem e ao mesmo tempo permitissem ao público da região (Leiria e Alcobaça não estão assim tão longe uma da outra) a oportunidade de ver mais filmes e sentir durante mais dias o espírito de um festival tão relevante hoje como o Indie Lisboa.



O festival é sem dúvida um dos acontecimentos do ano na capital e assim temos, sobretudo, a hipótese de ver transportadas algumas das suas melhores obras numa lógica pura de descentralização que nunca deixou de ser um esforço nosso (é esse um dos princípios que move a *aurora) e da própria direcção do festival (que sempre se tem mostrado sensível a esse desejo). A Zero em Comportamento teve neste capítulo um gesto de enorme empenho (até porque não é muitas vezes fácil conseguir dar resposta a esta procura de títulos: as cópias normalmente seguem para outros festivais) e também de grande compreensão para as necessidades culturais da nossa região.



Deste modo, pensamos, a Zero em Comportamento compreende que o Indie Lisboa tem ao fim de seis edições não apenas uma dimensão cultural única em Lisboa, mas também nacional (apesar de tudo, já serão poucos os que não conhecem o festival, sem esquecer ainda a outra meia dúzia de extensões que vão construindo a reputação do festival por esse país fora). Não fosse isso e não teríamos, portanto, muitas chances de ver filmes como Louise-Michel da dupla Benoit Delèpine e Gustave Kervern ou Tony Manero do chileno Pablo Larrain, ou ainda O Homem que Engarrafava Nuvens de Lírio Ferreira e o último "opus" do Herói Independente deste ano, Werner Herzog, Encounters at the End of the World (o filme que, aliás, abriu o festival este ano e teve nomeação para a categoria de Melhor Documentário na última cerimónia dos Óscares). E falta-nos incluir aqui os premiados, tais como o português Visita Guiada de Tiago Hespanha (Prémio do Público para Melhor Curta-Metragem, cuja rodagem, sabemos, andou por monumentos como o Mosteiro de Alcobaça) ou Jalainur do chinês Ye Zhao (Prémio de Distribuição e mais um retrato profundo da China moderna).



São oportunidades únicas de respirar um pouco fora do, por vezes, "abafado" regime nacional de distribuição e perceber as várias formas de produção e de narrativa que existem por esse mundo, atravessadas pelas mais diversas latitudes e sensibilidades e possibilitando-nos olhar para realidades que raramente parecem ter lugar no actual panorama audiovisual (e a verdade é que têm). Observar estes filmes é viajar a um universo artístico que é naturalmente mais complexo e diversificado do que o "mercado" nos pretende fazer crer e, acima de tudo, obter uma visão do que implica a "independência" no domínio da produção cinematográfica.

sábado, 2 de maio de 2009

"O Último Tango em Paris" continua parte da revolução


Quando estreou entre nós em pleno período revolucionário (tal como o 25 de Abril, há exactamente 35 anos atrás), O Último Tango em Paris chegava com cerca de 3 anos atrasados; o que não o impediu de constituir uma das primeiras formas de liberdade de expressão (senão mesmo a primeira) num país que não conhecera outra coisa que não a censura e que vira este filme, tal como muitos outros (por exemplo Laranja Mecânica de Kubrick), proibido pelo regime. A sua passagem pelos cinemas tornou-se, portanto, um verdadeiro símbolo de uso da liberdade conquistada dias antes, bem expresso pelas vagas de espectadores que desejavam concretizar no seu visionamento (as casas cheias repetiam-se) a urgência da "democracia" e o direito a "ver o que se queria".

A obra de Bertolucci com Marlon Brando e Maria Schneider tornou-se parte integrante da Revolução dos Cravos e ainda hoje é curioso ver nos vários documentários que celebram a efeméride, o lugar que a estreia deste filme teve na sociedade de então e, acima de tudo, como se tornou um acontecimento dentro do acontecimento. Num momento em que os valores de Abril se discutem tanto (pelas mais variadas razões: económica, política ou social), é preciso não esquecer que a evocação de O Último Tango em Paris passa mais do que tudo pelo "lugar" da liberdade de expressão, hoje, no nosso país - isto num tempo em que continuamos a ver coisas como esta a acontecerem, e quando deveríamos estar mais do que nunca preparados a defender o que nesses dias foi conquistado. Não é preciso muito para o fazer: basta verem-no, depois de amanhã, no Pequeno Auditório do CCC das Caldas da Rainha, pelas 21h 30, na abertura do ciclo Escandaloso.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Ainda Ballard (e o seu último conto)


Ainda sobre J. G. Ballard, aproveitamos para deixar o link para o último conto do escritor editado pelo jornal Guardian.

(e já agora um aparte; depois de vermos as imagens da tentativa de atentado à família real holandesa é impossível não deixar de ver nelas boa parte das palavras do autor na entrevista que aconselhámos uns posts abaixo, onde este, relembre-se, deixava uma perturbante reflexão: "numa sociedade saudável, a loucura é a única liberdade possível")