quinta-feira, 16 de julho de 2009

Canyon passage (1946)


Quando Jacques Tourneur realizou o western Amor Selvagem (Canyon Passage, 1946) já tinha no currículo filmes como A Pantera (Cat People, 1942), Zombie (I Walked with a Zombie, 1943) ou O Homem Leopardo (The Leopard Man), obras pelas quais seria mais relembrado e que ainda hoje o estabelecem como um dos cineastas de maior culto no domínio do género de terror e suspense (isto sem esquecer que foi um dos principais nomes a dar um novo sentido à dimensão mais negra e psicológica explorada pelo cinema). À superfície, Amor Selvagem parece estar bastante longe disso: mais do que um western típico de Hollywood (que apesar de tudo não deixa de explorar algumas das faces mais obscuras da personalidade humana) é um veículo que parece conter um lado "solar", ou digamos "colorful" (o uso das cores e dos seus contrastes nesta produção é um dos seus traços mais peculiares) que à primeira vista poderia indiciar alguma estranheza face ao que conhecemos de Tourneur (o filme venceu mesmo um Óscar para Melhor Canção Original e não deixa de ser uma tentativa de piscar o olho ao grande público).

Mas desenganemo-nos, esta adaptação do romance homónimo de Ernest Haycox acaba por explorar no meio desse "arco-íris" (o mesmo "arco-íris" que a dada altura serve de metáfora para a busca do pote de ouro em que os habitantes de uma pequena cidade mineira se vêem envolvidos) as diversas fragilidades humanas com que cada uma das suas personagens se debate; e se em cada uma delas resiste uma ideia de felicidade, de concretização dos seus mais pequenos e íntimos desejos (e que passam pela ideia de uma "vida melhor" associada ao pioneirismo americano tanto como pela pura ganância ou pela sede de poder que vai a reboque desse movimento histórico) a história resolve devolver o reverso da medalha, ou seja, as consequências que certos actos, ou porque não dizê-lo, desejos, podem originar, quebrando aquilo que é a "ilusão" de uma comunidade em harmonia e equilibrada.

Não espanta, portanto, que no final a cidadezinha de Jacksonville se veja reduzida a cinzas (depois de atacada pelos índios e na sequência de uma série de circunstâncias que aqui nos abstemos de relatar), ao tal preto e branco pelo qual Tourneur se tornaria tão famoso e que no seu caso era o verdadeiro espelho das inquietações reveladas pelas suas personagens e pelas suas histórias. Como se o realizador não conseguisse, no fundo, fugir a essa evidência estilística e formal que o notabilizou, e acima de tudo, cumprisse aquela que foi sempre a sua análise da condição humana: vertiginosamente "negra" e caótica. Um ano depois deste filme chegaria O Arrependido (Out of the Past, 1947), por muitos considerado o seu maior filme e um modelo na construção do film noir como género, revelando ainda ao mundo o "monstro" Robert Mitchum no seu primeiro grande papel.

Sem comentários:

Enviar um comentário