quarta-feira, 15 de julho de 2009

Masculino-Feminino (Citação 3)

É um dos diálogos de Godard de que mais vezes me recordo e durante muitos anos (ou seja, desde que o vi pela primeira vez numa dessas gloriosas sessões da RTP2 durante a década de 1990) nunca me esqueci desta ideia fundamental e tão lúcida com que a personagem de Chantal Goya em Masculino-Feminino confronta um surpreendido Jean-Pierre Leaud: cada um de nós é o centro do mundo. Sim, tudo gira à nossa volta e se não gira a verdade é que gostaríamos que assim fosse. Nesse desejo de sermos vistos, compreendidos, amados, percebemos portanto que não podemos estar sozinhos, apesar da solidão ser uma condição que nos acompanha sempre: pois nunca seremos vistos, compreendidos e amados tão absolutamente como gostaríamos que acontecesse. Somos o centro do mundo e nisso estaremos eternamente sozinhos.

Chantal Goya: O que é para ti o centro do mundo?

Jean-Pierre Leaud: O centro do mundo?

CG: Sim.

JPL: Tem piada, nunca tínhamos falado e quando falamos, fazes-me uma pergunta espantosa.

CG: Eu acho que é uma pergunta normal.

JPL: É verdade.

CG: Vá lá, responde.

JPL: Bom, acho que é o amor.

CG: Tem piada, eu ter-te-ia dito: sou eu. (pausa) Parece-te estranho? Não pensas que és o centro do mundo?

JPL: De certa maneira, sim.

CG: De que maneira?

JPL: De viver, de existir, de vermos com os nossos próprios olhos, de falarmos com a nossa boca, de pensarmos com a nossa cabeça.

CG: Achas que podemos viver sozinhos? Sempre sozinhos?

JPL: Não, não creio que seja possível. Não se pode viver assim, era o que eu te dizia. Sem ternura...

Masculino-Feminino de Jean-Luc Godard

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