sábado, 18 de julho de 2009

Gene Kelly e o seu duplo



Em Cover Girl (1944) de Charles Vidor, Gene Kelly tem uma das sequências de dança mais memoráveis que lhe conhecemos; não tanto pelo aparato coreográfico ou pela exuberância do cenário que em muitas alturas construiu grande parte da sua reputação de dançarino no cinema, mas antes pelo equilíbrio e pela profundidade dramática que dele fazem parte, algo muito perto do domínio do conceptual, com uma dimensão admiravelmente moderna e contemporânea. Na verdade, trata-se de uma espécie de solo transformado em "dueto" e "duelo" (reparem-se como os dois termos cujos significados à primeira vista contrários podem aqui fazer sentido juntos) onde Kelly se debate com a sua imagem duplicada no reflexo das várias montras da rua que percorre e que por sua vez acaba por ganhar vida e confrontá-lo.

Além de um jogo entre a sua personagem e o seu duplo, que sob as mais diversas perspectivas pode ser entendido como a expressão de um conflito entre um homem e a sua consciência, o seu ego, digamos, ilustração ainda de uma divisão entre aquilo que naquele momento lhe dita o coração e a razão, esta é a metáfora de um homem dividido, no fundo, pela profusão de sentimentos contraditórios que o inundam em relação ao amor que sente por uma Rita Hayworth cada vez mais distante e reclamada pelo clamor mediático em que está envolvida (sim, é ela a "cover girl" a que o título se refere, sugada pelo mundo das celebridades e indiferente à paixão sensível, frágil e insegura de Gene Kelly).

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