Sabemos que Quentin Tarantino é provavelmente o maior reciclador de géneros populares no contexto do cinema contemporâneo e que a prová-lo, mais uma vez, temos aí a ansiada estreia de Inglorious Basterds, o seu filme mais recente que promete trazer para o grande ecrã uma nova releitura do clássico filme de guerra. Como também tem sido habitual no cineasta norte-americano, o filme não fica por aí e integra ainda muitas influências retiradas do western-spaghetti (o que já tinha acontecido de forma muito notória em Kill Bill): Tarantino terá chegado mesmo a dizer que esta nova produção inspirada por uma obra italiana de finais dos anos 1970, intitulada Quel Maledetto Treno Blindato (em inglês: Inglorious Bastards, título que o realizador manteve com um ligeiro erro premeditado - o Bastards original passou a Basterds - e que não se trata de um remake, mantendo apenas a mesma premissa inicial), está mais perto de um western-spaghetti que usa descaradamente a iconografia da II Grande Guerra do que porventura de um filme de guerra.
Inglorius Basterds estreou no passado mês de Maio na sessão de abertura do Festival de Cinema de Cannes e fez ainda parte da competição oficial do certame, garantindo ao cinema norte-americano o único prémio dessa edição: a Palma de Ouro de Melhor Actor para Christoph Waltz. A data prevista para a sua estreia nos Estados Unidos é o dia 21 de Agosto e já se fala numa prequela, embora nada esteja garantido já que os recentes falhanços de bilheteira de Tarantino e a divisão da crítica na Côte d'Azur estão longe de auspiciar qualquer certeza quanto a esse projecto (existe ainda a hipótese de o material reunido dar origem a uma série televisiva). Portanto, tudo dependerá de como correrão os números de audiência nas salas, mas para já o que se sabe é que só o guião custou a Tarantino mais de uma década de trabalho e que talvez nunca como nesta história o realizador terá dado tanto importância a cada página e a cada diálogo (o filme tem o maior número de personagens do que qualquer outro na sua carreira). Quanto ao "plot", duas linhas narrativas convergem: a primeira segue um grupo de judeus americanos cuja missão passa por abater todos os nazis que puderem (e pelo caminho recolher os seus escalpes), a segunda passa por uma jovem judia que procura vingar a morte da família às mãos de um obscuro coronel da SS conhecido como "O Caçador de Judeus".
De qualquer modo, um dos aspectos que vale a pena observar está na "iconografia" afirmada pela tradição do filme de guerra aqui ilustrada através de alguns dos melhores exemplos que o cinema nos deixou; para isso basta até olhar para a imagem dos cartazes de alguns dos filmes com maior êxito e que na verdade tratam de evocar alguns dos temas e das fórmulas pretensamente glosadas pelo último filme de Tarantino (em todos eles tudo parece começar por um plano audacioso de infiltração atrás das linhas inimigas). São os casos de Doze Indomáveis Patifes (1967) de Robert Aldrich, que além de Lee Marvin, Charles Bronson, Jim Brown, Trini Lopez, Telly Savalas, Donald Sutherland ou Clint Walker, contém no elenco o também realizador John Cassavetes (talvez seja desta pequena lista a obra que maior culto granjeie ainda hoje na memória dos saudosos do género). Contudo, é preciso não esquecer igualmente produções como O Desafio das Águias (1968) de Brian C. Hutton, com Richard Burton e Clint Eastwood ou O Voo das Águias (1976) de John Sturges (é aliás o último filme deste realizador igualmente conhecido pelos seus westerns), uma obra que dá curiosamente protagonismo ao lado nazi num enredo onde um comando alemão entra em território britânico na tentativa de raptar o líder Winston Churchill.
Tudo obras a que o último filme de Tarantino não deixa de prestar homenagem já que serviram (e muito) para construir uma ideia de filme de guerra baseado nas mais densas e arrojadas operações especiais que se conhecem dessa época e na atmosfera obscura e complexa formada pelas várias teias de espionagem e contra-espionagem que fizeram do suspense e da acção explosiva colocados em cena uma forma de encantamento cinematográfico. Se alguém quiser fazer o trabalho de casa antes de ver Inglorious Basterds, e dessa forma poder brincar ao "who's who" das referências postas em campo a que Tarantino nos habituou , fique a saber que todos estes filmes são de revisão obrigatória num pertinente e saudável exercício de memória ao serviço do cinema do presente.
Sem comentários:
Enviar um comentário