domingo, 12 de abril de 2009

E os sonhos e os pesadelos de "A Valsa com Bashir"


Vimos ontem como Ari Folman usou a animação em A Valsa com Bashir para entrar directamente nos fantasmas de guerra israelitas. E vimos ontem, acima de tudo, como o realizador utiliza o género na tentativa de suscitar boa parte dos dilemas morais que têm marcado o papel do agressor no meio do conflito no Médio Oriente. Quando já vimos todas as imagens possíveis de horror e absurdo que há para ver sobre o conflito israelo-palestiniano, esta opção não deixa de ser notável: Folman precisa da animação para criar o distanciamento necessário da banalidade das imagens mediáticas e televisivas que já conhecemos para, no fundo, nos colocar através da "ilustração animada" ainda mais no interior da realidade dramática da guerra (e aí colocar as interrogações que lhe interessa colocar).

A sua personagem enceta um percurso através da memória procurando preencher todos os espaços em branco que sobraram da experiência traumática da guerra - uma memória que parece ter sofrido um perturbador apagamento: isto porque Folman estranha o facto de não se recordar dos mesmos episódios de guerra que os seus antigos colegas de exército reteram, o que o leva a interpelá-los com as suas dúvidas e questões, sobretudo a respeito dos massacres de Sabra e Chatila durante o conflito com o Líbano no início dos anos 1980 em que participou e que a partir de certo momento se tornam no leit-motiv da obra. A animação torna-se assim um instrumento vital para sustentar uma visão documentarista dos factos (é irónico observar os entrevistados transformados em bonecos), sem deixar de alimentar os devaneios oníricos e surreais do autor em contraste com os diferentes depoimentos recolhidos.

Estes depoimentos servem para o ajudar a recordar aquilo que também ele viveu, mas que por qualquer razão foi eliminado do "disco rígido" da sua memória. Filme corajoso, frontal e honesto, Valsa com Bashir lida com um universo amplo de emoções e sentimentos contraditórios que o tornam num belíssimo objecto cinematográfico, capaz tanto de nos entusiasmar com a sua força expressiva e poética quanto de nos deixar com um travo amargo na boca. Não existem vencedores nem vencidos, apenas vítimas. E os sonhos e os pesadelos onde estas permanecem vivas para sempre.

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