Normalmente, quando a televisão nos dá a visão de um atentado terrorista, já tudo aconteceu: ficam as imagens dos mortos, da destruição, do desespero, do pânico, da incompreensão e da loucura humana levadas ao seu extremo absoluto. Tudo nos confunde nesse cenário consumado de destruição e tudo nos parece conduzir a um juízo precipitado das causas e dos efeitos que é preciso condenar moralmente nesse instante, rapidamente. Mas a televisão, que dá a ilusão de estar em todo o lado, durante o tempo todo, chega sempre atrasada e ávida de captar a dimensão caótica dos acontecimentos (facto que deriva precisamente da sua condição omnipresente em informar e transmitir o que é "noticia": isto sabendo que a "notícia" não chega com pré-aviso aos gabinetes das redacções). O cenário que obtemos daí é manifestamente incompleto: como se bastando ver o final de um filme isso nos permitisse adivinhar o resto da história.
Ao contrário das televisões,
O Paraíso, Agora de Hany Abu-Assad chega antes de tudo isto e mostra-nos tudo o que está antes de um atentado, desde o contexto social e individual de um conjunto de personagens de palestinianos nos territórios ocupados até à forma como dois deles, verdadeiros amigos e cúmplices, acabam por ser recrutados pela luta armada local. O filme que foi acusado por ambos os lados da barricada (árabes e judeus) tanto de ter procurado humanizar o lugar do bombista-suicida no conflito israelo-palestiniano como de levantar críticas ao "modus operandi" na angariação de fiéis da causa palestiniana, mostra-nos, mais do que um dia na vida do terrorista, o retrato de um conflito moral entre "irmãos" que, por circunstâncias várias, têm entre mãos a decisão de concluir ou não a missão que lhes foi confiada.
Até que ponto se justifica darmos a nossa vida para que outros a percam? Mais: até que ponto isso serve à luta armada e à causa palestiniana (embora esta luta e causa pudessem pertencer a outro povo e cultura quaisquer)? E por último: é para isso que a vida de um indivíduo serve? Não é por acaso que este filme nos apresenta esse universo de interrogações através de duas personagens que, mais do que lançar as questões morais que se revolvem dentro delas, as debatem quase corpo a corpo, numa espécie de duelo individual e pessoal que ilustra a dimensão mais complexa do conflito israelo-palestiniano. Esta capacidade de viajar aos momentos que antecedem um drama dos nossos tempos é o ponto forte de
O Paraíso, Agora e também aquilo que fez com que esta obra gerasse tanta controvérsia e polémica dos dois lados. Simplesmente por isto, colocou-se no meio: o verdadeiro lugar do sacrifício e o verdadeiro lugar onde todos tiveram de confrontar as suas dúvidas.
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