quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Thirty-five summers


"Time is a funny thing. Time is a very peculiar item. You see when you're young, you're a kid, you got time, you got nothing but time. Throw away a couple of years, a couple of years there... it doesn't matter. You know. The older you get you say, 'Jesus, how much I got? I got thirty-five summers left.' Think about it. Thirty-five summers."

Benny (Tom Waits) em Juventude Inquieta

Somewhere to go


"If you're going to lead people, you have to have somewhere to go."

The Motorcycle Boy (Mickey Rourke) em Juventude Inquieta

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

The Hero of a Thousand Faces


Também a caminho da caixa de correio por estes dias está The Hero of a Thousand Faces de Joseph Campbell, um importante ensaio de mitologia comparativa onde o autor instituiu em 1949 uma análise do arquétipo do herói no mundo da ficção e no universo concreto das diferentes mitologias humanas. Um livro que influenciou muito George Lucas (isto aparte tudo o resto: Bíblia, Tolkien, II Grande Guerra, Kurosawa e os filmes de samurais, filosofia oriental, etc.) e as suas trilogias da Guerra das Estrelas. A tese de Campbell radica nesta simples evidência: a de que os mais importantes mitos do mundo sempre partilharam ao longo dos séculos uma estrutura fundamental comum - o monomito. Um termo tomado de empréstimo ao clássico Finnegan's Wake de James Joyce e que ilustra o padrão da viagem do herói nos mais diversos mitos e narrativas culturais do nosso planeta; chegando a dar aí os casos de Moisés, Cristo e Buda. Para Campbell, tudo começa quando o herói abandona a região do seu quotidiano para entrar num mundo de poderosas forças sobrenaturais (e talvez o caso mais óbvio que agora ande por aí seja o Avatar de James Cameron): espaço onde a conquista de uma vitória lhe dá a capacidade de trazer algo de novo ao mundo e aos seus companheiros.

The pictures got small


"Joe: You're Norma Desmond. You used to be in silent pictures. You used to be big.
Norma: I am big. It's the pictures that got small.
Joe: I knew there was something wrong with them."

Diálogo entre as personagens de William Holden e Gloria Swanson em O Crepúsculo do Deuses

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Um Milagre de Natal no CCC das Caldas da Rainha



E assim termina o ciclo de cinema Natal em Família no CCC das Caldas da Rainha: Um Milagre de Natal será exibido hoje, pelas 21h 30, no Pequeno Auditório e trata-se da estreia na realização do actor italo-americano Chazz Palminteri (um nome conhecido pelos seus papéis de mafioso, mas que arrisca aqui outros voos) onde seguimos o percurso de várias personagens, interpretadas por diversos actores consagrados (está lá a Susan Sarandon e Penélope Cruz: o melhor de dois mundos), durante a noite de Natal. Para o ano há mais, vamos terminar este bem.

sábado, 26 de dezembro de 2009

The church and the movies


"I don't really see a conflict between the church and the movies. The sacred and the profane. Obviously there are majour differences. But I can also see great similarities between the church and the movie house. Both are places for people to come together and share a common experience. I believe there is spirituality in films, even if it's not one that can supplant faith. I have found over the years that many films address themselves to the spiritual side of man's nature, from Griffith's film Intolerance (1916) to John Ford's The Grapes of Wrath (1940) to Hitchcock's Vertigo (1958) to Kubrick's 2001 (1968) and so many more... It's as if movies answer an ancient quest for the common unconscious. To fulfill a spiritual need that people have to share a common memory."

Martin Scorsese no documentário Uma Viagem com Martin Scorsese pelo Cinema Americano

A sala de cinema


Este pequeno artigo da Lusa publicado pelo semanário Sol é mais um sintoma do crescente abandono a que a sala de cinema foi vetada - e aqui não entra naturalmente a lógica de consumo das grandes salas dos centros comerciais onde, infelizmente, os filmes se confundem com um pacote de pipocas. Falamos da sala de cinema não apenas como um lugar de experiência eminentemente social e comunitária, mas acima de tudo espiritual. Parece estranho usarmos o termo "espiritual" e contudo é disso mesmo que se trata: porque nunca vimos a sala de cinema de outra maneira. Este é um lugar que sempre foi de reflexão interior, um espaço ainda de "consciência" do mundo e da condição humana, de busca de sentidos, de oração (sim, oração, levamos isto às últimas consequências) e transcendência. Um universo de refundação de valores através da narrativa e dos grandes mitos; e a partir dos heróis e heroínas que nunca deixaram de funcionar para nós como "avatares", para usar uma expressão agora em voga, das nossas próprias inquietações e desejos, sonhos e dilemas. Um mundo hoje, também em Lisboa, em ruínas, ao abandono, esquecido, sem vida; que não é muito diferente do que grassa por esse país fora e no resto do mundo. Ou porque já não conseguimos olhar para a sala de cinema como uma porta para a relação com o "outro". Essencialmente devido a um modo de vida que não admite mais mundo para além do nosso umbigo nem procura resolver o imenso mistério da vida que nos envolve. Sem nostalgia, sem rancor nem raiva, ou sequer melancolia, apetece somente perguntar isto: se não sabemos como partilhar a sala de cinema o que saberemos alguma vez partilhar?

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

"Chaplin: A Life" de Stephen M. Weissman


Nos próximos dias vou andar ainda atento à caixa de correio e a razão também se deve a Chaplin. A Chaplin porque viveu a sua vida de uma forma extraordinária, reflectindo boa parte dessa experiência na sua carreira. A Stephen M. Weissman, um psiquiatra norte-americano e professor da Washington School of Psychiatry, porque passou anos a investigar a vida do realizador e actor britânico, apresentando-nos agora uma obra intitulada Chaplin: A Life onde temos uma perspectiva da sua obra cinematográfica através do olhar psicanalítico de um estudioso que acreditou ser possível olhar a vida deste autor como uma forma de interpretação dos seus filmes e vice-versa. Um trabalho que naturalmente se concentra na infância difícil de Chaplin em Londres, na pobreza desses primeiros anos de vida e na relação com a mãe (e o seu percurso de demência), sem esquecer os conturbados episódios da sua vida privada em adulto. Consta que há por aqui revelações e segredos únicos que nos ajudam a perceber não só a complexidade de um artista como Chaplin, mas igualmente a simplicidade da sua grande personagem de sempre: Charlot.

O museu de Chaplin


A propósito de Chaplin e da sua mansão em Vevey, na Suiça, foi também daí que veio uma das melhores notícias deste ano: a criação neste local de um museu dedicado ao cineasta britânico e ao seu percurso na História do Cinema. A escolha recaiu na sua última morada, deixando de fora outras hipóteses como Londres e Los Angeles, cidades onde também viveu. Segundo Michael Chaplin, o projecto tem sido delineado ao longo da última década e estará terminado dentro de dois anos, integrando objectos que pertenceram a Chaplin, uma crónica da sua ascensão na Sétima Arte desde a infância londrina até ao estrelato em Hollywood, anexos que reproduzirão alguns dos cenários dos seus filmes mais famosos, onde se inclui a famosa máquina de Tempos Modernos, e claro, imagens da sua vida e obra.

A morte de Chaplin


No dia de Natal, inevitavelmente (e para além do nascimento de Cristo, do Pai Natal da Coca-Cola, dos presentes ou das filhoses), acabo sempre a lembrar-me de Charles Chaplin. Não apenas por ser essa a data da sua morte - o criador de Charlot faleceu na sua vivenda de Vevey na Suiça a 25 de Dezembro de 1977 com 88 anos de idade -, mas porque esse também foi o ano em que nasci: e assim tenho o privilégio de dizer que ainda partilhei no mesmo país cerca de 6 meses de existência com o cineasta que mais me marcaria em toda a minha vida (mesmo que nessa altura eu estivesse longe de saber como ou porque razão isso aconteceria). Não me custa portanto saber nesta altura quais os anos que se comemoram à passagem da morte de Chaplin: 32 (tantos quantos o meu bilhete de identidade assinala). Uma morte que veio durante o sono (não é o desejo de todos?) e que poucos meses mais tarde suscitaria um episódio caricato e digno das suas melhores comédias, mas que nos mostra igualmente bem o tipo de culto e estatuto que a sua figura ainda impunha ao fim de tanto tempo afastado do mundo e do cinema. A 1 de Março de 1978, um par de mecânicos resolveu roubar o corpo do cemitério de Corsier-sur-Vevey, no cantão de Vaud, e pedir à família um avultado resgate. Depois de inúmeras e trapalhonas desventuras (o duo não ficaria conhecido pela inteligência nem pela subtileza dos seus estratagemas) o corpo seria finalmente descoberto perto do lago Genebra, sendo a dupla presa e condenada.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Fish Beach



A primeira vez que ouvi Fish Beach de Michael Nyman foi no célebre e visceral O Cozinheiro, O Ladrão, a sua Mulher e o Amante dela; e nunca mais esqueci aqueles acordes simples e minimais. Não imaginava, curiosamente, que o tema já tivesse integrado antes Drowning by Numbers (também de Greenaway e também em colaboração com o compositor inglês) ou que mais tarde Jay Jay Johanson o revertesse nessa genial canção que é I'm Older Now. Não sei o que isso tem a ver com o Natal, sei que tem a ver com melancolia, o amor e o cinema.

Feliz Natal!

Lágrima de cinema


Eu tomava o café da manhã e lia o jornal. Na mesa ao ao lado, sentou-se um casal jovem com uma filha de seis ou sete anos. Mais tarde percebi que se chamava Mariana. Foi quando chorava e escondia a expressão atrás da cadeira, timidamente, entre a montra da loja de telemóveis e o olhar conformado e impotente do pai (gorro bem enfiado na cabeça, rosto esquelético, luvas pretas nas mãos). Não percebi o que lhe disse, talvez um "o que se passa, filha?" Sem gesto, sem expressão, voz desistente. A mãe (de gorro também, olhos azuis e pele muito branca) já antes disso soltara uma daquelas lágrimas instantâneas e límpidas que caem de uma vez só ao longo do rosto e aos primeiros sons do "Imagine" de Lennon (vindo de algum canto distante do centro comercial e a abrir caminho por entre o ruído das pessoas que caminhavam através do corredor). Uma lágrima daquelas que só se vê no cinema, perfeita, sibilina, brilhante, a sulcar apesar de tudo uma cara bonita. Nada a ver com as lágrimas da Mariana: vermelhas, envergonhadas, furiosamente mudas e discretas, ainda mais acomodadas naquela mesa de café do que eu no meu silêncio atento. Perguntei-me: é possível um Natal feliz depois de uma criança a chorar? Sai de lá convencido que não.

(na imagem uma foto de Diane Arbus de 1963 e intitulada "A Child Crying")

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O truque é ver


"Chaplin é a razão. E Keaton e Lloyd. Garbo, Gable e Lombard. Jimmy Stewart e Jimmy Cagney. Fred e Ginger. Eles eram deuses! E viviam ali em cima. Aquilo era o Olimpo! Lembras-te se eu te disser como nos sentíamos sortudos de estar aqui? De ter o privilégio de os ver? Esta coisa da televisão... Para quê ficar em casa a olhar para uma caixa? Por ser conveniente? Por não termos de nos vestir e ser só ficar sentados? Como podemos chamar entretenimento ao estar sozinho numa sala? Onde estão os outros? Onde está o público? Onde está a magia? Eu digo-te! Num local como este, a magia envolve-nos. O truque é vê-la."

Martin Landau para Jim Carrey em The Majestic de Frank Darabont

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009



Também podem dar uma olhada ao trailer de Do Céu Caiu uma Estrela do mestre Frank Capra aqui (e já agora considerem-se convidados a aparecer).

"Do Céu Caiu uma Estrela" de Frank Capra


É um dos grandes clássicos de sempre da História do Cinema e uma das maiores obras-primas do mestre americano Frank Capra: Do Céu Caiu uma Estrela, obra de 1946 e estreada na América do pós-guerra, é hoje exibido no Pequeno Auditório do CCC das Caldas da Rainha, pelas 21h 30, mais uma vez integrado no ciclo que decorre naquele espaço, intitulado Natal em Família, numa cópia de 16 mm que se apresenta em excelente estado de qualidade - caso raro: sendo este é um dos filmes mais injustamente esquecidos durante a época natalícia e um dos que mais dificilmente temos tido oportunidade de observar em sala de cinema (tirando talvez as mais que naturais exibições levadas a cabo pela Cinemateca Portuguesa em Lisboa).

Faz sentido, pois se existe filme natalício por excelência este é um daqueles exemplos mais óbvios e reverenciados na relação entre a Sétima Arte e o espírito da época em que vivemos. Um drama sentimental livremente inspirado no conto The Greatest Gift, escrito pelo autor Philip van Doren Stern (mas que não deixa de ter uma clara atmosfera dickensiana), onde a personagem interpretada por James Stewart (de regresso da Segunda Grande Guerra, conflito onde participou) reflecte sobre a vida e o suicídio, amor e a família, a amizade e o divino. Capra consderou-a o melhor filme que alguma vez realizara e se a verdade é que esse sentimento não impediu que resultasse num fracasso de bilheteira, o tempo acabou por lhe fazer a devida justiça, tornando-o numa obra ímpar e eterna consagrada à tradição do Natal.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Entrevista ao Jornal de Leiria


"Não existe um estilo português de filmar"
David Mariano (fundador e programador da *aurora - rede criativa de programação e exibição de cinema)

Existe um “estilo português” de filmar? De contar histórias?
A minha experiência de espectador de cinema e em especial de espectador de cinema português diz-me que não; não existe um “estilo português” de filmar, mas sim várias formas de expressão cinematográfica, várias formas de contar histórias, tão diversificadas quanto o número de realizadores que temos. Mais: penso até que a interrogação à volta da existência de um “estilo português”, normalmente apelidado de “lento”, “aborrecido”, “teatral”, além de recorrente, é também sintoma de um enorme equívoco que nasceu a partir do divórcio entre o público português e o cinema nacional, uma ideia completamente fora da realidade. Sei que me arrisco a ser politicamente incorrecto e a fazer estremecer algumas “virgens ofendidas”, mas estou convicto que aqueles que têm a noção de um “estilo português” são precisamente os mesmos que não vêem ou provavelmente nunca viram cinema português e raramente têm disponibilidade para o descobrir. Porque a ideia de um “estilo português” pressupõe que há um “estilo americano” ou um “estilo comercial”, ou outro, não interessa, que deveríamos adoptar como fórmula. É esta ideia de replicação que tem impedido, aliás, a justa visibilidade de cineastas como Jorge Cramez, Pedro Costa, António Ferreira, Mário Barroso, a dupla Tiago Guedes e Frederico Serra, entre tantos outros, gente com um estilo próprio, mas muito diferentes entre si. Permitam-me dar o exemplo de um dos melhores filmes que vi nos últimos anos: “O Capacete Dourado” de Jorge Cramez. Era uma obra de estreia jovem, vigorosa e emotiva. Teve pouco mais de 5 mil espectadores.

Quais as principais diferenças entre o estilo Manoel de Oliveira – que há dias fez 101 anos – e o dos jovens realizadores?
As diferenças são inúmeras e não sei se deveríamos colocar a questão dessa forma, porque se o cinema de Manoel de Oliveira é indissociável da História do Cinema, seja ela nacional ou mundial, não me parece que dele dependam os nomes que têm surgindo na nossa produção recente. Naturalmente, Manoel de Oliveira é considerado o “pai do cinema português”, mas não me parece que seja uma influência mais óbvia junto dos novos realizadores do que outros grandes cineastas como Chaplin, Ford, Eisenstein, Murnau, Godard, Cassavetes, e aqui a lista poderia ser infinita, para lá ainda dos mestres da actualidade, desde David Lynch ao Tsai Ming-liang, entre muitos outros e que só eles poderão enunciar. O que sei, e mais uma vez reafirmo, é que cada um dos nossos jovens realizadores tem a sua própria identidade e visão, e se é verdade que não vivem em ilhas isoladas, ou seja, imunes a várias influências, também é um facto que não os encontramos num aquário estanque, fechados dentro de um qualquer movimento ou “estilo colectivo”.

Como se pode promover e captar mais público para a produção independente ou os jovens cineastas nacionais?
Primeiro do que tudo existe uma luta de mentalidades a realizar e um processo de sensibilização cultural que urge ser feito por todo o tipo de agentes a operar no cinema e a favor da nossa produção; o país, não só no cinema, mas em muitas outras áreas sociais e culturais, vive uma verdadeira crise de identidade, aspecto que normalmente o leva a importar todo o tipo de modelos culturais estrangeiros sempre em substituição da sua própria vivência e das suas identidades, como se não nos bastasse ser nós próprios. Essas questões são muito complexas e têm sido melhor analisadas por filósofos e escritores como José Gil, Eduardo Lourenço ou até o recente Prémio Pessoa, D. Manuel Clemente. Mas acima de tudo, penso que era preciso abrir mais canais de distribuição e rentabilizar melhor os espaços culturais como os cine-teatros e os centros culturais com condições para projecção de cinema e que são geridos por municípios com essas competências. Essa pode ser uma das soluções, mas há muito mais que deve ser feito e que deveria começar essencialmente pelo debate de ideias, pela reflexão sobre as necessidades que existem, e finalmente através de uma concertação de interesses junto dos poderes públicos e institucionais.

O que é a *aurora?
A *aurora é um projecto de programação e exibição de cinema pensado para a região Centro e Oeste que produz e programa ciclos de cinema ou retrospectivas de autor, e que ainda promove extensões de alguns dos melhores festivais de cinema em Portugal, a exemplo do que aconteceu com o IndieLisboa e o DocLisboa em Leiria e Alcobaça. A ideia fundamental é cultivar a cinefilia, descentralizar a distribuição de cinema, dar visibilidade a novos e velhos autores do cinema, restituir o público ao contacto com a sala de cinema, lançar o debate e a discussão sobre o poder das imagens, relançar os mitos cinematográficos, enfim, colocar a paixão do cinema sempre na ordem do dia e fazer disso quase um “estado de espírito” ou uma “forma de espiritualidade”, aspecto que julgo se tem perdido nos últimos anos por várias razões. Além de uma solução cultural para os espaços culturais com deficiências e necessidades nesse campo, a *aurora faz ainda das ideias e da criatividade um ponto de partida para criar programas e ciclos, funcionando em rede e criando relações privilegiadas com diferentes públicos e espaços: Leiria, Alcobaça, Rio Maior e Caldas da Rainha.

E assumir o papel de realizador?
Quem sabe; não desminto que seria algo que gostava de arriscar fazer, e onde não duvido me sentiria bem. O desejo, as ideias, esboços de argumentos e imaginário não me faltam, mas o cinema é uma arte onde é preciso reunir uma série de elementos e circunstâncias a que não basta emprestar a paixão ou o talento. Também é necessário criar experiências e obter alguma formação e principalmente ver muito cinema. Espero apenas um dia ter uma melhor resposta do que esta.

Entrevista por Jacinto Silva Duro (para a edição de 17 de Dezembro de 2009)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Feliz Natal de Christian Carion no CCC das Caldas da Rainha


É já daqui a pouco no CCC das Caldas da Rainha: Feliz Natal de Christian Carion abre hoje o ciclo Natal em Família, pelas 21h 30, no Pequeno Auditório. Esta obra, inspirada numa história verídica decorrida durante a Primeira Guerra Mundial na noite de Natal de 1914 e que recebeu uma nomeação para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2005, inaugura assim um programa dedicado ao espírito da época, olhando-o como um lugar de comunidade, de família, de partilha, de transcendência e de contacto, composto por filmes de várias idades e para várias idades, clássicos e contemporâneos e que fazem do Natal um universo intemporal e de renovação dos grande valores humanos. Dêem uma olhada ainda ao folheto e apareçam. E já agora, Feliz Natal!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pare, Escute, Olhe de Jorge Pelicano em Alcobaça


E assim termina a extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça com a obra de todos os prémios (Melhor Longa-Metragem, Melhor Montagem e Prémio IPJ Escolas) e de todas as controvérsias (cinema documental ou reportagem televisiva?, questionava-se): Pare, Escute, Olhe de Jorge Pelicano encerra hoje, às 21h 30, mais uma passagem do certame por Alcobaça, lançando um olhar profundo e comovente sobre o abandono da linha do Tua e a desertificação do interior do país.

sábado, 21 de novembro de 2009

Luanda, A Fábrica da Música



Para terminar, teremos hoje à noite, pelas 21h 30 (filme que repete amanhã, pelas 19h), mais um documentário da dupla Kiluanje Liberdade e Inês Gonçalves que depois de filmes como Oxalá Cresçam Pitangas ou Mãe Ju voltam a olhar para Luanda e para o território angolano, através das suas vibrantes formas de expressão musical - onde o kuduro assume um especialíssimo destaque -, com um amplo fascínio e uma sentida atenção, a sublinhar sem contemplações a criatividade evidenciada hoje em dia pelos jovens angolanos. Basta dar uma olhada ao trailer para perceber do que falamos. Imperdível!

Sessão de Curtas Premiadas


Ainda hoje temos uma Sessão de Curtas Premiadas, pelas 19h, onde teremos a oportunidade de observar os filmes Passando à de Zé Marôvas de Aurora Ribeiro, vencedor do Prémio de Melhor Curta-Metragem Nacional, e Entrevista com Almiro Vilar Costa de Sérgio Costa, obra que recebeu uma Menção Especial: esta sessão repetirá na próxima segunda-feira, dia 23, também pelas 19h.

Lisboa Domiciliária de Marta Pessoa



E ao segundo dia da extensão doclisboa 2009 em Alcobaça entra em cena Lisboa Domiciliária, uma obra de Marta Pessoa, realizadora que estará presente não na sessão de hoje, pelas 17h, mas amanhã à noite, às 21h 30, para debate com o público. Um filme que documenta o isolamento a que os idosos de Lisboa muitas vezes se vêm sujeitos nas suas próprias casas e bem no meio da capital do país; um mundo dentro do mundo onde os corpos unem-se às casas e criam uma nova arquitectura.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Ainda hoje: Os Esquecidos de Pedro Neves



Também hoje, no programa do dia, a extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça, mostra-nos Os Esquecidos do realizador leiriense Pedro Neves, pelas 19h, filme que terá uma nova exibição no próximo domingo, pelas 17h. Uma obra que nos mostra o lado escondido da pobreza no Grande Porto e o drama vivido por aqueles que tropeçaram no entulho e na desilusão, na privação, na perda, na angústia.

Confirmem na vossa agenda: é hoje!


Começa hoje a extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça, um evento que dura até à próxima segunda, dia 23 de Novembro, com o filme Escrever, Escrever, Viver de Solveig Nordlund, que tal como todas as obras presentes terá direito a duas sessões, pelas 14h 30 e 21h 30. Trata-se de um retrato documental do escritor António Lobo Antunes que passa em revista a sua vida e obra: a infância, a psiquiatria, a guerra colonial, o 25 de Abril, os livros, o cancro que em 2006 lhe foi diagnosticado e as marcas que deixou. Apareçam!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Marta Pessoa no Cine-Teatro de Alcobaça


Mais uma presença confirmada: Marta Pessoa, realizadora de Lisboa Domiciliária, filme que será exibido na extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça, estará presente e disponível para uma conversa com o público no final da sessão do próximo domingo, dia 22 de Novembro, pelas 21h 30. A cineasta nasceu em Lisboa, em 1974 e concluiu o curso de Cinema da ESTC, tendo-se especializado nas áreas de Realização e Imagem. Desde então tem trabalhado em diversas áreas da produção cinematográfica e teatral e a sua filmografia recente inclui títulos como a ficção Manual do Sentido Doméstico (2007) ou o documentário Sobre Azul (2005).

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Jorge Pelicano no Cine-Teatro de Alcobaça


Confirmadíssimo: a derradeira sessão da extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça que decorre no próximo dia 23 de Novembro, segunda-feira, pelas 21h 30, e exibirá o grande vencedor da edição deste ano do festival na Competição Nacional (foram três prémios de uma assentada: Melhor Longa Metragem, Melhor Montagem e Prémio IPJ Escolas): Pare, Escute, Olhe de Jorge Pelicano, contará com a presença do realizador na sessão para conversa com o público. Uma óptima oportunidade para colocar perguntas directamente ao jovem cineasta, discutir o panorama do documentário português, questionar sobre o que o levou a subir até à linha do Tua e filmar aquela região, e quem sabe aflorar ainda a grande controvérsia que o filme gerou no certame e no meio cinematográfico depois de ser premiado - onde a dúvida era: será que Pare, Escute, Olhe é cinema documental ou reportagem de televisão? Mas estejam atentos, esperam-se nos próximos dias mais presenças e confirmações de realizadores para a realização de debates.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Folheto Extensão doclisboa 2009 em Alcobaça



No mesmo dia em que vai para a rua, aqui está também o folheto com toda a programação e informação disponível da extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça. Folheiem, façam as vossas escolhas e apareçam.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Alteração do Filme de Abertura doclisboa 2009



Atenção, atenção: por razões alheias à organização da extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça, o filme de abertura inicialmente previsto para o dia 20 de Novembro foi retirado e substituído. Nesse sentido, o documentário Com que Voz, realizado por Nicholas Oulman, saiu do programa e em seu lugar será exibida a obra Escrever, Escrever, Viver de Solveig Nordlund, um retrato sobre a vida e a carreira do escritor António Lobo Antunes. Pelo facto, deixamos as nossas mais sinceras desculpas. Não deixem de consultar todo o programa actualizado, com sinopses, fichas técnicas e trailers aqui.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Programa extensão doclisboa 2009 em Alcobaça



Já está definido o programa da extensão doclisboa 2009 no Cine-Teatro de Alcobaça. No total são 7 filmes, 12 sessões, 5 longas e duas curtas, durante 4 dias, de sexta a segunda, entre os próximos dias 20 e 23 de Novembro. Cada uma das obras presentes tem duas sessões à escolha (ou seja, quem falhar da primeira vez tem sempre uma segunda oportunidade, deixa de ter desculpa) e em cena estarão 4 obras premiadas, com destaque para Com que Voz de Nicholas Oulman (na sessão de abertura) e Pare, Escute, Olhe de Jorge Pelicano (na sessão de encerramento). Estão a convidados a folhear o folheto do programa aqui.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Fotografias de Rodagem do Cinema Português


Aí está uma viagem interessante e bastante pertinente ao mundo dos bastidores do cinema português: a Fnac Colombo tem patente até ao próximo dia 27 de Novembro uma exposição intitulada Fotografias de Rodagem do Cinema Português composta por material pertencente ao Arquivo Fotográfico da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema. Trata-se de uma série de fotografias de rodagem do cinema português, feitas entre os anos 1920 e os anos 1970, focalizada sobretudo em dois períodos: o período clássico do cinema português, nos anos 1930 e 1940, e o Cinema Novo, nos anos 1960. Se forem à Zara ou atrás do Bolaño também pode ser interessante passarem por lá.

Les Liaisons Dangereuses de Choderlos de Laclos


Durante um destes fins-de-semana fizemos um exercício interessante: ver Valmont e Ligações Perigosas, as duas adaptações (recentes) mais famosas da obra literária de Choderlos de Laclos ao cinema (e sim, confessamos, nunca tínhamos visto ambos filmes, tal como nunca dissemos que éramos o "cinéfilo perfeito"). Pareceu-nos muito evidente que o filme de Milos Forman (Valmont) é muito superior ao de Stephen Frears (Ligações Perigosas); uma constatação que não pareceu tão óbvia à crítica na altura. Ambos os filmes estrearam muito perto um do outro, julgo que primeiro Ligações Perigosas e só depois Valmont, o que não ajudou no segundo caso - Valmont é normalmente esquecido pela memória do grande público que acabou ao longo do tempo por o colocar numa posição abaixo do seu predecessor (talvez pelo elenco cheio de estrelas da altura, tais como John Malkovich, Glenn Close ou Michelle Pfeiffer, que detinha claramente um maior estatuto em comparação a Colin Firth, Annette Benning ou Meg Tilly - hoje talvez fosse diferente - a par ainda de toda a publicidade que obteve graças à cerimónia de Óscares onde foi nomeado para 7 estatuetas, das quais conquistaria 3).


Mas Valmont é melhor em tudo a Ligações Perigosas; as personagens mais credíveis e convincentes, um argumento mais coerente e equilibrado, uma narrativa mais estruturada, tensa e atraente. Valmont tem mais nervo e ao mesmo tempo maior subtileza na abordagem ao clássico texto literário de Laclos (o que lhe dá uma graça e uma leveza digna da superficialidade da época), cria mais contexto (com mais e melhor informação no desenvolvimento da acção), o que nos ajuda a compreender melhor a complexidade social e psicológica daquelas personagens e a densidade de toda a trama - intrincadíssima de jogos de sedução e artimanhas sexuais, insuflada pelas estratégias de conveniência e pela hipocrisia dos tempos, retrato agudo de uma sociedade corrompida até ao tutano pela vaidade pessoal, pela manutenção da classe social, pelo puro materialismo.


Ligações Perigosas tem bonecos vazios de humanidade (e actores demasiado conscientes do seu desempenho: o que torna o filme uma passerelle do "cast do momento" - acima de tudo é um filme vítima do seu casting, e aí compreende-se o seu sucesso junto da Academia de Hollywood), um guião que por vezes não parece encaixar e insiste em deixar imensas pontas soltas, além de perosnagens negligenciadas como é o exemplo de Cecília de Volanges (Uma Thurman) e do Cavaleiro de Dancenny (Keanu Reevers), figuras a quem são dadas um maior protagonismo e interferência em Valmont (ali interpretadas por Fairuza Balk e um surpreendente Henry Thomas, o menino de E.T. - O Extraterrestre); afinal de contas são eles os principais instrumentos das secretas perversidades do Conde de Valmont (Colin Firth) e Madame de Merteuil (Annette Benning). Onde há carne e alma em Valmont (apesar de tudo aquelas personagens movem-se por uma necessidade imperiosa de amor), há artificialismo e tiques de poseur em Ligações Perigosas.


Em sites como o allmovie.com, Valmont recebe 2 estrelas (em cinco possíveis), enquanto Ligações Perigosas leva 4,5 (o que é uma verdadeira injustiça, parece-nos que deveria ser ao contrário). Depois, dentro dos critérios válidos a que nos permitimos na apreciação de uma obra de cinema, Valmont teve pelo menos esta qualidade: manter-nos despertos até ao fim e bem depois da meia-noite presos ao destino das suas personagens (confessamos outra vez que nunca tínhamos lido o livro, o que já não é o caso hoje, pela razão simples que também nunca dissemos que éramos o "leitor perfeito", apesar de tudo fazermos por isso), facto inverso a Ligações Perigosas que nem uma tardinha ricamente preenchida de sol nos impediu de baixar a pálpebra de tédio e aborrecimento - pois se todos os outros argumentos não ajudarem a explicar porque se ama mais um filme do que outro, pelo menos cremos que estes servirão.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Estoril Film Festival


E talvez seja desta que Paulo Branco consiga colocar definitivamente o Estoril Film Festival no panorama dos grandes eventos nacionais ligados ao cinema (isto depois de alguns falsos arranques e de uma certa errância programática nas primeiras edições): o certame arranca hoje com a inauguração da exposição Portraits "In - Eyes" de Juliette Binoche (que conta com a presença da actriz) e a projecção, em regime de antestreia nacional, do mais recente filme de Wes Anderson Fantastic Mr. Fox.

Portraits "In - Eyes" poderá ser vista no Centro de Congressos do Estoril, mas Juliette Binoche estará ainda amanhã às 18 horas no mesmo espaço para autografar o livro Portraits “In-Eyes” sobre a sua exposição e, às 19h30, fazer a apresentação do documentário Juliette Binoche Dans les Yeux, realizado pela sua irmã Marion Stalens, que também estará presente.

Ruas da Amargura de Rui Simões



É uma ocasião feliz e rara para o documentário português pouco habituado a assistir a estreias suas no cenário da distribuição nacional: Ruas da Amargura, obra do veterano e consagrado documentarista português Rui Simões (autor de filmes-charneira para a compreensão da nossa identidade histórica e social como Deus, Pátria, Autoridade ou Bom Povo Português, entre outros), estreou hoje em várias salas e pontos do país, tais como Lisboa, Porto, Coimbra e Almada. Um caso verdadeiramente excepcional quando sabemos que o documentário português dificilmente consegue chegar às salas de cinema do país e muito menos se permite a uma distribuição tão ampla como a que neste exemplo dá para perceber se pretende atingir (pois se já é raro conseguir espaço de exibição em cidades como Lisboa ou Porto, pior se torna quando se procura expandir para fora desse âmbito numa mesma data).

O filme que esteve presente o ano passado na Competição Nacional do doclisboa 2008 não só chega num contexto e numa época totalmente pertinente ao fenómeno que aborda (18% de pobreza em Portugal é razão suficiente para que o cinema sirva de campo de reflexão sobre um dos dramas do país) como é ainda um retrato profundo e impressionante sobre a integração da pobreza na nossa sociedade, assim como uma viagem à face mais visível e terrena dessa realidade através de quotidiano e da vivência de diversas personagens. E há dois factos que urge redescobrir com Ruas da Amargura (e que só por si deveriam ser razões suficientes para pôr toda a gente a correr para a sala de cinema a comprar bilhete): a revelação, cada vez mais consciente e presente, da força e qualidade do documentarismo português, e o confronto com o panorama da pobreza, questão a que já não dá para fugir nem fingir que não se vê e com o qual nos cruzamos todos os dias. Não costumamos dizer isto de muitos filmes, mas este é mesmo um filme obrigatório.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Workshop de Escrita Criativa para Guiões de Cinema em Leiria


Se a vossa cabeça anda a verter ideias e histórias a toda a hora sem saber o que hão-de fazer delas, esta é a iniciativa ideal para os ajudar: a escritora e realizadora Cláudia Clemente vai estar no próximo dia 14 de Novembro na livraria Arquivo em Leiria para dar um workshop de Escrita Criativa para Guiões de Cinema. São sete horas de recomendável exercício mental e escrito que podem limar o escritor de argumentos para cinema que há em si; e caso a coisa dê para o torto é certo que a Claúdia Clemente estará lá para os salvar (normalmente os argumentistas têm esta tendência: precisam de ser salvos deles próprios e dessa insegurança a que chamam "bloqueio criativo").

Bom, fica a dica entregue e fiquem ainda a saber que a formadora tem óptimo currículo: não se trata apenas do facto de ter estudado cinema em Barcelona ou de ter tirado o Curso de Realização Cinematográfica na Restart, ou para além disso ter ainda escrito um livro de contos (O Caderno Negro pela Tinta Permanente). Claúdia Clemente realizou, escreveu, produziu e montou curtas como A Mulher Morena, A Fábrica ou A Outra, mas foi em 2007 que conheceu um dos seus melhores momentos com essa bela curta documental que era & etc (sobre a editora independente com o mesmo nome), vencedora do Prémio de Melhor Curta-Metragem Nacional no doclisboa 2007.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Os raccords de Jorge Pelicano


Gosto muito de como o Jorge Pelicano usa e abusa de todos aqueles raccords em Pare, Escute, Olhe. E de como isso satura e impregna o filme de uma dimensão política, activista, nervosa quase (e que eu não tenho dúvidas será sempre vista com muita polémica e controvérsia), de quem se põe ao lado daquelas gentes, de quem toma claramente partido (e estamos a falar da região directamente afectada pelo fecho da linha do Tua). Não é inovador, nada disso (e basta lembrar o que Kubrick fez em 2001: Odisseia no Espaço), mas tem algo de desesperado: um desespero muito consciente do efeito dessa técnica, mas ainda assim desespero. É do desespero que gosto.

Mas os raccords, que a determinado momento se parecem sobrepor e justapor, ou entrecruzando-se como num entroncamento se entrecruzariam diferentes linhas de comboio - já não só ao nível visual, mas numa dimensão igualmente simbólica e metafórica -, criam ainda uma série permanente de contrastes (o povo e os políticos, o interior e o litoral, as promessas do passado e a realidade do presente, a vida e a morte, Portugal e o estrangeiro). Ou mais até de contradições, de analogias, de equívocos, usadas praticamente no limite como "figuras de estilo": Pelicano não tem medo de colocar as coisas preto no branco e o que ele não se cansa de afirmar com isto é que existindo uma culpa do isolamento e do abandono daquelas pessoas, esta pertence inevitavelmente aos políticos que conforme os anos e as épocas se contradizem, se desmentem, se ridicularizam mesmo com as suas estratégias para a zona.

Nesse sentido, estamos perante um filme que não deixa de ser também "político", um filme que aponta o dedo sem medo aos verdadeiros responsáveis e que usa de alguma ironia, por vezes mórbida (a evocação da Morte é constante: a começar pelas impressionantes imagens no interior da carruagem virada e do desespero das vítimas que são como uma imagem do Purgatório, além das cruzes no cemitério), e de algum cinismo, como se o realizador pagasse aos decisores, no fundo, na mesma moeda. Os políticos não têm voz porque a sua voz é o que ficou dos seus gestos e das suas políticas para a região; abandono, puro abandono, e das palavras vãs que ficaram perdidas nos arquivos e no tempo. Aqui é a vez de dar voz a outros: aos habitantes, aos jovens desiludidos, aos velhos, aos latidos dos cães que os acompanham, aos "discos pedidos", ao silêncio de um mundo esquecido e deixado para trás. E que morre.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Pare, Escute, Olhe



Foi o grande vencedor da edição doclisboa 2009 na Competição Nacional de Longas-Metragens Portuguesas (revelando-se ainda um verdadeiro papão de prémios ao arrecadar igualmente no certame os prémios de Melhor Montagem e IPJ Escolas) e era o filme que já ontem muitos espectadores mostravam interesse em ver presente na extensão do festival em Leiria: Pare, Escute, Olhe de Jorge Pelicano é o filme escolhido para integrar a sessão de Filmes Premiados prevista para amanhã, quarta-feira, no Teatro Miguel Franco, pelas 18h 30. Uma obra que aborda o encerramento da famosa linha do Tua e procura retratar a forma como essa sentença amputou o rumo do desenvolvimento e ajudou acentuar mais ainda as assimetrias entre o litoral e o interior de Portugal. Uma viagem através de um Portugal esquecido, vítima de promessas quebradas e do esquecimento dos grandes decisores políticos.

Futebol de Causas em Leiria



Depois de perto de uma centena de pessoas terem assistido ontem à sessão de abertura da extensão doclisboa 2009 no Teatro José Lúcio da Silva de Leiria, a par de uma franca e saudável conversa no final da sessão entre o público e o realizador de Os Esquecidos, o leiriense Pedro Neves, hoje é a vez de repetirmos o feito com o jovem documentarista Ricardo Antunes Martins e o seu Futebol de Causas, filme presente na secção Footdoc (uma novidade durante este ano no festival). Uma obra que lança um olhar sobre o movimento estudantil e as crises académicas pelo ponto de vista dos jogadores da Associação Académica de Coimbra e nos elucida sobre a forma como estes contribuíram e se envolveram na luta contra o regime ditatorial vigente em Portugal.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Debates extensão doclisboa 2009


Está confirmado: as primeiras duas sessões da extensão doclisboa 2009 no Teatro José Lúcio da Silva de Leiria, onde poderemos ver os filmes Os Esquecidos (dia 26, 21h 30) e Futebol de Causas (dia 27, 21h 30), vão contar com as presenças dos respectivos realizadores para debate com o público. Uma oportunidade única de discutir com os jovens cineastas portugueses Pedro Neves e Ricardo Antunes Martins (na foto) todas as questões levantadas pelos seus filmes e as implicações de fazer um documentário.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Saramago e a Bíblia


Gosto de Saramago, o escritor, não gosto de Saramago, a figura pública, já de Saramago, o homem, nada posso dizer que nunca o conheci (tirando uma palavras rápidas e um autógrafo trocados em tempos numa Feira do Livro de Lisboa). As suas palavras em Penafiel sobre a Bíblia são redutoras, limitadas e preconceituosas, para não dizer imbecis (e para quem se diz ateu mostram um homem muito desconfortável sobre a relação dos homens com Deus e talvez mais desconfortável ainda com aquela que é a sua própria não-relação com Deus). Mas o que irrita mais nas recentes declarações de Saramago não é o facto de reduzir a Bíblia a um "manual de maus costumes", é não reconhecer que ali está um livro - cuja existência ele não pode pôr em causa e que só por sinal é o "livro" sobre o qual estão fundadas, para o bem ou para o mal, boa parte dos alicerces da nossa sociedade - e que um livro tem sempre imensas leituras possíveis. Logo ele que tantas vezes foi vítima na sua vida de "misinterpretations". Ora, basta ver que sem a Bíblia, Saramago nunca teria escrito Caim, tal como nunca teria escrito o Evangelho Segundo Jesus Cristo - e só isto torna indesmentível o peso histórico e a influência daquele texto. Depois, ver Deus como ele vê; "vingativo", "rancoroso", "má pessoa" e que "não é de fiar", é o mesmo que reduzir o Ensaio Sobre a Cegueira a uma simples história de gente degenerada e decadência. É por isso que não faz sentido agora vir Saramago negar à Bíblia a "liberdade de leitura" que conquistou, por exemplo, para a sua obra.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A infância de Dave Eggers


“Maurice and Spike and I talked a lot about how we were all like Max (...). I was completely hard to control as a kid. There’s nothing that Max does in my book which I wouldn’t do worse. I still find that all the boys I know that age are the same: they like to smash things, play with swords and guns. Regular boys’ stuff. But throughout the process of writing the screenplay and the book there were people in the movie studio who were expressing shock about what Max would do or say. Because it isn’t depicted any more."

“There is a whitewashed, idealised version of childhood that is popular in movies. It has the kids sitting neatly in their chairs, talking in some adult, sarcastic, overly sophisticated but polite way — a concoction that bears no resemblance to an actual kid.”

Dave Eggers, co-argumentista do filme O Sítio das Coisas Selvagens de Spike Jonze, em entrevista ao Times

Programa extensão doclisboa 2009 em Leiria


Está definido o programa da extensão doclisboa 2009 a realizar em Leiria entre os dias 26 e 28 de Outubro; a sessão de abertura será com um filme do leiriense Pedro Neves: Os Esquecidos (integrado na Competição Nacional), dia 26, às 21h 30, no Teatro José Lúcio da Silva (e com a presença do realizador para debate). Na segunda sessão teremos um filme sobre o desporto-rei: Futebol de Causas de Ricardo Antunes Martins (integrado na secção Footdoc), dia 27, às 21h 30, no mesmo espaço. Para dia 28, pelas 18h 30, no Teatro Miguel Franco, fica reservada uma sessão destinada a filmes premiados.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Epidemia de Lars von Trier


Talvez mais do que perturbador, o filme que teremos oportunidade de ver hoje no Pequeno Auditório do CCC das Caldas da Rainha, em mais um episódio do ciclo Perturbador! pelas 21h 30, Epidemia é um filme de uma estranheza reveladora que a cada momento e a cada cena que passa insiste em testar os limites da compreensão humana perante a natureza daquele tipo de fenómenos inquietantes e incompreensíveis (senão mesmo sobrenaturais) que teimam fugir ao controlo das suas personagens, mas ao mesmo tempo parecem depender delas.

Foi o segundo filme de Lars von Trier e o segundo filme da sua Trilogia da Europa (antes houve O Elemento do Crime, depois haveria Europa), obras que transformavam o continente europeu num território de tragédia e decadência, espaço de trevas e obscuridade (entre a Idade Média e o pós-apocalíptico que como sabemos são universos que se tocam muito bem), um mundo entre o fim e o princípio de qualquer outra coisa e que aqui também sentimos (não só pela fotografia a preto e branco granulosa, antes sobretudo pelo reino de sombras em que a história parece sempre querer entrar) actuar de forma profunda (mais até do que nos restantes capítulos da trilogia).

Mas Epidemia é ainda um filme sobre a arte de fazer cinema, sobre como escrever um guião cinematográfico e daí partir para a sua concretização num processo de permanente procura e descoberta criativa, onde as trevas e o desconhecido parecem naturalmente ter uma palavra importante a dizer. É por isso que Lars von Trier e o argumentista Niels Vorsel são os seus intérpretes principais, já que é neles (e com eles) que se inscreve o exercício de desconstrução cinematográfica a que assistimos (poderíamos dizer que é ainda um bom filme para alunos de cinema, quase como uma espécie de lição de anatomia).

O instante, aliás, que melhor resume toda a essência de Epidemia está na cena da pasta de dentes, quando Trier e Vorsel, movidos pela curiosidade (uma curiosidade que está sempre presente e é ao mesmo tempo o motor do desejo de fazer cinema que marca estas duas personagens) procedem a uma forma de autópsia sobre o quotidiano objecto apenas para tentarem perceber como este funciona - esta cena tem várias réplicas durante toda a história, na nossa opinião, como na cena real de autópsia a um cadáver morto pelo cancro ou na derradeira sequência de hipnotismo -, gesto que é, no fundo, comum ao próprio gesto de "realizar" este filme; um filme onde tudo está à vista, ossos, pele e vísceras, nas mãos de um cineasta clínico (e cínico) que poderia ser qualquer criança a abrir o corpo de uma boneca só por brincadeira.

domingo, 18 de outubro de 2009

O caso Polanski


Não sei quem é culpado no chamado caso Polanski e até admito que possa não haver culpados nesta história com mais de 30 anos - e cujos contornos nunca conheceremos na sua autêntica dimensão pois só dirão realmente respeito aos dois que nele se viram envolvidos. Também não estou aqui para fazer qualquer tipo de juízo moral (Deus me livre, fujo disso como o diabo da cruz) nem para aditar à controvérsia fácil qualquer forma de julgamento público (outra coisa feia de se fazer quando não se tem um conhecimento concreto dos factos que ocorreram e muito cómoda para quem a pratica sentadinho nas esplanadas de café). Os conceitos de moral e culpa, como sabemos, oscilam muito de um lado e do outro do Atlântico (céus, até do lado de cá e de lá da rua a coisa muda, quanto mais), razão só por si suficiente para me abster de definir em favor de outros tão complexas fronteiras, e que mesmo hoje continuam a não satisfazer inúmeras consciências.

Agora sei que há vítimas, tal como sei que há meninas de 13 anos que são mais do que "meninas de 13 anos" (sempre as houve e sempre as haverá) e "realizadores" que nunca deixaram de beneficiar do facto de serem realizadores para atingirem propósitos diferentes à mera realização de um filme (ou a uma sessão de fotografias como foi o caso). Contudo, e segundo podemos ver no documentário Roman Polanski: Procurado e Desejado de Marina Zenovich, o caso Polanski depressa se esqueceu das suas "vítimas" - essencialmente esqueceu-se sequer de perceber quem era a "vítima" ou até se ela existiria - para se tornar no objecto de uma outra perversão: a voragem dos media à roda de um caso, e sobretudo de uma figura pública, cuja vida e percurso consistia igualmente um "filme" pontuado pela tragédia e pelo êxito - é preciso não esquecer que Polanski, além de ter sobrevivido ao Holocausto e à perseguição nazi que vitimou a sua mãe, viu ainda a mulher e actriz Sharon Tate brutalmente chacinada pelos elementos do grupo satânico comandado por Charles Manson, já depois de ter conquistado Hollywood e tornar-se um realizador consagrado.

Talvez por isso, consiga compreender que um homem que sobreviveu a Hitler e a Manson tenha pressentido que o palco em que o seu julgamento se tinha tornado não era mais do que uma nova forma de "execução" que muitas vezes, e hoje talvez mais do que nunca, insiste em romper com o sentido de uma genuína justiça (como nos linchamentos do Velho Oeste, diríamos). Repito; não sei se Polanski é culpado, e muito menos estou aqui na tentativa de inocentá-lo, mas sei como os carrascos são muito rápidos e agéis a aparecer nos momentos em que a oportunidade convida: e isso assusta-me mais do que qualquer pormenor sórdido na vida do cineasta polaco. Polanski, melhor do que ninguém, teria o faro para os detectar.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Acto radical ou gesto corajoso?


Como é sabido o doclisboa cortou este ano a sua ligação à RTP2 por considerar que o canal público não tem apoiado e divulgado suficientemente o documentário nacional e internacional. Um acto radical para muitos, um gesto corajoso para outros, a verdade é que pôs muita gente a discutir aquilo que por vezes não se discute: até que ponto o documentário como género e o documentário nacional como expressão cultural e social portuguesa têm sido tratados no nosso país? Sérgio Tréfaut, director do festival que colocou o cinema documental num plano que talvez nunca como agora havia antes conhecido, e Pedro Borges, director da distribuidora e produtora Midas Filmes (e um dos catálogos que mais tem feito por incluir o documentário no mercado nacional) esgrimem argumentos num artigo do Público contra Jorge Wemans, director da RTP2, que diz não compreender as razões que levaram ao divórcio entre o festival e o canal do Estado.

É um facto que a RTP nunca fez o suficiente para divulgar e promover o documentário português e o género numa grelha de programação onde os poucos exemplos se perdem na espuma de horários tardios e inconsequentes. Por outro lado, também é legítimo perguntar até que ponto este tipo de antagonismos produz resultados num panorama já de si pobre e pouco fértil para a divulgação do documentário nacional, dos seus autores e temas? Disto temos a certeza: a televisão (e essencialmente a televisão pública) como meio fundamental e propício ao desenvolvimento do documentário, mas também como um dos seus campos principais de expressão, tem vivido alheia ao crescimento e à dinâmica actual da nossa produção documental.

Não deixa realmente de ser uma injustiça observar como grande parte do país não conhece provavelmente aquele que é um dos seus géneros cinematográficos mais ricos e estimulantes do momento, capaz de reflectir as verdadeiras questões nacionais (e nesse aspecto parece-nos óbvio: a RTP continua demasiado politizada e não deveria responder directamente, como acontece, perante o poder governamental) e rico na formação de novos valores e nomes no panorama do cinema nacional. Para quem não tem oportunidade de viajar até Lisboa e viver aquilo que o doclisboa representa e concretiza neste domínio, o comportamento da RTP2 é naturalmente reprovável. O que prova mais uma vez que o canal público não cumpre aquilo para que foi criado: descentralizar a visão do documentário português e promover um olhar verdadeiramente equitativo dos nossos acontecimentos culturais (e não estamos só a falar do doclisboa, estamos a falar do documentarismo como uma forma de consciência e intervenção social).

(na imagem uma foto do filme Os Esquecidos, filme do leiriense Pedro Neves, presente na Competição Nacional)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Cartaz de Anti-Cristo


Gostamos deste tipo de cartazes; capazes de evocarem a tradição mais clássica da ilustração literária e ao mesmo tempo eficazes na sua capacidade de combinar design e inovação, unindo o clássico e o moderno, o presente e o passado. Na nossa modesta opinião, é o que achamos que acontece com este belíssimo cartaz para o filme-choque de Lars von Trier: Anti-Cristo, que deve estar daí a nada a estrear entre nós. E se não é crível que este seja o exemplar a chegar às ruas e às revistas quando a estreia ocorrer, já ficamos contentes por termo-lo descoberto, por simplesmente existir.

The Squid and the Whale


E perguntam vocês: o que tem o post abaixo a ver com cinema? Bom, para além da óbvia influência (Wes)Andersoniana expressa no clip, João Bonifácio também explica isso da seguinte maneira:

"Há que tomar em atenção que o nome da banda é inspirado no filme de Noah Baumbach, The Squid and the Whale. A graça do nome está num pormenor: The Squid and the Whale era a história da disrupção de um casal, e o seu efeito nos dois filhos. Ora, o filme era autobiográfico, embora Baumbach tenha tomado certas liberdades, em particular com a personagem do irmão. A graça disto é que, se pensarmos na forma com Dylan e os Smiths construíram o seu universo, vemos que há uma tensão entre extrema reserva e extrema exposição, entre criar uma personagem protectora que no fundo conta factos reais - é isso que o nome Noah and the Whale representa: a tensão entre o criador e a obra."

E pronto, está explicado, até porque não gostamos de misturar alhos com bogalhos.

Desde que nascemos até que morremos



"Isto vem na melhor poesia: desde que nascemos até que morremos é sempre a levar porrada. Larkin dizia: 'They fuck you up/ your mum and dad'. Podia esperar-se que depois do simpático começo que os nossos pais nos proporcionam, transmitindo maus genes, preconceitos e neuroses, tudo melhorasse. Não melhora. Porque depois vêm as mulheres (ou os homens, para quem gosta). E o que a mamã não conseguiu arruinar, há sempre uma mulher que o consegue de vez: é ela que "fuck you up" de vez. A biologia, a teoria dos jogos e a Bíblia explicam isto: em sociedade e em relações individuais funcionamos maioritariamente em regime "tit for tat". Isto é: tu fazes-me o bem, logo eu faço-te o bem a ti. O sistema que, em comunidades alargadas, é tão complexo que permite alguma estabilidade, tem a desvantagem de nas relações individuais transformar-se em "olho por olho dente por dente": quanto mais parecer que eu te faço o bem mais te posso cobrar; por mais que eu te diga que vou dar-te o correspondente bem já estou de olho ali no Zezinho ou na Zezinha. E assim o mundo dedica desde o seu início mais páginas à guerra dos sexos que às dos Homens.

O pequeno sistema de contribuições atrás mencionado é de simples descrição mas lenta aprendizagem. Enquanto são novos, os humanos esforçam-se por perceber o que correu mal na sua relação amorosa, culpam-se, imaginam vinganças, pensam que a vida acabou, tornam-se submissos, desorientam-se, copulam em demasia, perdem o gosto à cópula, etc. Uma vertente psicologista diz que o pior que lhes pode acontecer é não serem capazes de raciocinar sobre o assunto. A ser assim, das duas uma: ou ficam com o cérebro torcido ou (hipótese nossa) é bom que saibam escrever, pintar ou tocar um instrumento."

João Bonifácio em Sinfonia do Caos Amoroso (crítica ao disco The First Days of Spring dos Noah and the Whale no suplemento Ípsilon do jornal Público de 9 de Outubro de 2009)

doclisboa 2009



Começa hoje o maior acontecimento no campo do documentário em Portugal: a sétima edição do doclisboa volta a trazer aquilo que me melhor se faz no cinema documental por esse país e mundo fora. Uma edição que, tal como o Jorge Mourinha sublinha (e bem) hoje no Público vem para contar histórias, para nos falar de experiências e pessoas de uma forma eventualmente mais directa e clara em relação a outros anos. Talvez o filme que faça a abertura oficial do festival confirme exactamente isso: La Forteresse (The Fortress) do hispano-suiço Fernand Melgar é uma obra que entra num mundo normalmente vedado (mas isso, lá está, é a grande virtude do documentário) - um centro de acolhimento de requerentes para asilo político na Suiça (país onde se aplica a mais restritiva lei de asilo da Europa) - e nos mostra um microcosmos invulgar de pessoas marcadas pela exclusão e pelas suas diversas proveniências culturais, cuja esperança de uma vida melhor contrasta com um sistema diário e burocrático de pura classificação humana. Entre hoje e o próximo dia 25 de Outubro, este é apenas um dos muitos exemplos de alguns dos melhores documentários que irão passar pelas salas da Culturgest, Cinema São Jorge e Londres: num total de cerca de 200 filmes que a *aurora também terá o prazer de trazer até Leiria (26 a 28 de Outubro) e Alcobaça (20 a 23 de Novembro) num futuro bem próximo.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Brincadeiras Perigosas no CCC das Caldas da Rainha (e não, não estamos a falar da Cristina Areia)



Não falta muito e é já daqui pouco: Brincadeiras Perigosas, a obra-choque que colocou definitivamente o nome do cineasta Michael Haneke no panteão dos grandes realizadores europeus contemporâneos, entra em cena no mesmo local onde a Cristina Areia andou a mostrar as maminhas para a Playboy, e claro, estamos a falar do Pequeno Auditório do Centro Cultural e Congressos das Caldas da Rainha, que recebe assim mais um episódio do ciclo de cinema Perturbador!, pelas 21h 30. Esta obra, curiosamente, conheceu dez anos depois um remake destinado a explorar o mercado norte-americano (e se a versão que nós vamos ver é na verdade a original, isso também demonstra bem o carácter actual que manteve), assinada pelo próprio Haneke e que replicava fielmente os mesmos planos e sequências do primeiro, apesar do elenco ser composto por actores americanos (entre eles Naomi Watts, Tim Roth ou Michael Pitt).

Mas neste caso o que nos interessa é o filme original: é esse o filme que vamos ter oportunidade de ver porque é esse o filme que o remake, embora todo o rigor e desempenho dos seus actores (apesar de tudo, Haneke é também um director de "actores", um homem capaz de tirar deles mesmo aquilo que eles não têm para dar), não conseguiu superar (até porque estar em 1997 não é o mesmo que estar em 2007). Um filme que explora a violência na sua dimensão mais amoral e niilista, como vertigem e como abismo, mas igualmente como a face de um mal profundo nesta nossa sociedade de contornos mediáticos e consumistas. Como se o que víssemos (a violência física e psicológica) fosse tão real por ao mesmo tempo ser tão prova da encenação em que vivemos. Para estômagos fortes, muito fortes, mas ainda assim imperdível.

sábado, 10 de outubro de 2009

2001: Odisseia no Espaço


Rever 2001: Odisseia no Espaço nunca é apenas uma revisão, é acima de tudo uma revelação, permanente e renovadora. E sim, há sempre novos pormenores: um gesto que nunca víramos anteriormente, uma cena que não havíamos apanhado (total ou em parte, literal ou metafórica), uma peça que encaixa na outra; essencialmente peças que encaixam umas nas outras e que à primeira vez, por desatenção, por incúria nossa, por um adormecimento da alma ou mera preguiça mental, não havíamos sido capazes de dispôr na sua lógica natural. Mas a obra-prima de Stanley Kubrick é um filme onde há muitas peças (imensas) e onde o puzzle acaba por constituir persistentemente uma coisa diversa daquela que víramos antes - o que faz de cada olhar nosso sobre aquelas imagens um processo inaudito de descoberta, uma viagem de estimulante transformação, uma experiência visual e mística, vá lá, para utilizarmos as frases mais recorrentes e comuns que normalmente lhe estão associadas.

Eu continuo a perceber que não percebo nada daquilo (apesar de ter a minha teoria: este é um filme sobre Deus e a sua relação com o Homem, mas também um filme sobre o lugar que esse Deus ocupa na nossa vida e existência e que é esse lugar que dá origem aos lugares para onde caminhamos como espécie em permanente evolução, mas isto é um pensamento - ou um julgamento - que tal como a sua linha de raciocínio se perde numa verdadeira espiral de sugestões, crenças e visões, e corre mesmo o risco de ser vítima da pressa dos seus entusiasmos). Ou ainda: que o menos importante ali é tentar perceber seja o que for, mas procurar sentir aquilo que se sugere, aquilo para o qual possa mesmo não existir uma definição verbal; o intangível, o não-dito, o não-visualizável. E sei que é um filme onde o cinema e a vida, a fé e o poder das imagens, a existência e o tempo, se confundem como em mais nenhum outro. E sublinho: em mais nenhum outro filme da História do Cinema. Quando o vejo, julgo que é isso que procuro: sentir-me fora do tempo, da existência, do corpo desta vida e da vida deste corpo, fora de tudo e de nada para assim estar mais dentro do mistério que somos.

Julgo que um velho amigo cinéfilo meu tem aquela que é até à data a melhor descrição que se pode ter deste filme: "vi, não percebi nada e gostei tanto". Estou com ele.

Patti Smith em Rio Maior



Termina hoje, pelas 21h 30 (estão naturalmente convidados a aparecer) o ciclo Músicos & Musicais no Cine-Teatro de Rio Maior com a projecção do filme de Steven Sebring sobre a madrinha do punk: Patti Smith - Dream of Life, um documentário que aborda as várias facetas da rocker, cantora, artista e poeta do mundo (esperamos não estar a ser demasiado solenes, mas a lista e o tom das definições parecem-nos muito justas). Ou talvez: Patti Smith como nunca a tínhamos visto (e sentido) como até aqui - filmado durante 11 anos, esta obra de Sebring é sobretudo uma incursão no mundo íntimo e privado da música norte-americana, tanto no plano público como no plano mais doméstico. Um filme onde a autora do seminal Horses (1975) faz da vida também um espaço de sonho (daí o título que é ainda o nome de um disco de Patti Smith editado nos finais da década de 1980) ou um espaço de recordação e evocação de épocas e pessoas que a marcaram de forma mais profunda e próxima. Mas o melhor talvez seja ainda ler o Luís Miguel Oliveira que, como sempre, explica melhor os filmes do que nós (ou os explica de uma maneira que só ele sabe explicar).